quinta-feira, 30 de maio de 2013

Histórias sobre Gaza



Palestina nas ruas de Gaza. Crédito Diogo Bercito/Folhapress
Foram, em dois dias, 36 comentários a respeito do que vocês pensam sobre Gaza. Do que concluo, apesar de poder estar enganado, que os leitores deste orientalíssimo blog estão bem informados a respeito da situação na região –mas talvez tenham uma imagem incompleta de como é a vida nesse estreito poeirento de terra.
Pode ser instrutivo, então, contar um pouco de como foi minha viagem durante esta semana.
Cheguei a Gaza pela passagem norte, chamada Erez. O terminal israelense, que parece um aeroporto, envolve segurança máxima. As permissões de entrada são raras, basicamente a poucos entre os moradores, a organizações humanitárias e a membros da imprensa em posse de credencial do governo. Filas? Nada.
Do lado palestino, são dois checkpoints. Primeiro, um ponto de controle de passaporte operado pelas autoridades do Fatah, facção palestina que controla o território da Cisjordânia. Dali, pego um táxi para o checkpoint seguinte, já dentro da faixa de Gaza. Desta vez, são homens do Hamas, que checam atentamente minha autorização de entrada (uma espécie de visto que obtive antes da viagem) e inspecionam minha bagagem. Então tenho meia hora até meu hotel, de frente para o mar.
As imagens são confusas. Carros importados, nas ruas, mas também dezenas de burrinhos de carga –um deles morre, e o trânsito emperra enquanto o cadáver é arrastado. Lojas de roupa e, em cima delas, outdoors com imagens de soldados com metralhadoras. Tudo é de concreto, e de repente vejo um agradável parque arborizado.
Até mesmo a praia embaralha as ideias. À noite, enquanto janto, noto que os jovens estão deitados na areia, conversando. Alguns deles apoiam um laptop no colo, enquanto observam o Mediterrâneo. Mas não tiram a roupa para entrar na água –nem meninos, nem meninas.
Eu queria poder imprimir minhas memórias e entregá-las a vocês em uma pasta. Descrever é difícil. De dentro do táxi, olhava para as ruas e tentava comparar a cena com outros lugares que conheço. Me parece mais arejado do que Damasco, mas menos sofisticado. Mais limpo do que a Dar es Salam, mas mais desumanizado. Mais organizado do que o Cairo,  mas menos vivo. Se acordasse de repente em uma rua qualquer, poderia acreditar que estava em um bairro pobre de Tel Aviv.
É claro que nada disso resolve as questões que estão por baixo da pele, em Gaza. O bloqueio israelense, que debilita a economia local, por exemplo. Ou a tomada do estreito pelos extremistas do Hamas, que tentam impôr sua agenda fundamentalista na população –o que, em última análise, não pode ser visto como um fenômeno desvinculado da política regional, inclusive israelense.

Crédito Editoria de Arte/Folhapress
Gaza é tudo isso o que vocês disseram. “Prédios destruídos”. “Caos”. “Triste”. Mas, de alguma maneira, quando releio os comentários deixados neste blog, me parece que essas palavras não compõem a imagem real –a cidade em que conheci, por acaso, o simpático rapper MC Gaza, que me conta que vai a Israel pela primeira vez para fazer um show. A cidade em que provei um peixe apimentado, pescado na noite anterior, e bebi leite quente com zátar olhando para o pôr do Sol.
Cerca de 70% da população está abaixo da linha da  pobreza, e a renda per capita ali é a 164ª no ranking mundial. O serviço de saúde é precário, a eletricidade é inconstante, o acesso a água potável é limitado. Mas o “suq”, o mercado, um dos corações de uma cidade árabe, ainda bate, entre barraquinhas de vegetais e quinquilharias, entre vendedores de ouro e fiéis rumo às orações de fim de tarde, embalados pelo canto dos minaretes.

Caminhada na praia, no fim de tarde, em Gaza. Crédito Diogo Bercito/Folhapress

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