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segunda-feira, 19 de maio de 2014

‘Não caia na água do Rio’, alerta capa do New York Times

19.maio.2014
Demétrio Vecchioli

 
Foto de Ana Carolina Fernandes para o NYT
Um dos mais influentes jornais do mundo, o The New York Times publica nesta segunda-feira, na sua capa, uma dura crítica ao Rio, que será sede da próxima Olimpíada e, em menos de um mês, começa a receber jogos da Copa do Mundo. A matéria tem o título: “Aviso para os velejadores olímpicos: não caiam na água do Rio” e aponta o dedo principalmente para a ineficácia governamental para organizar os Jogos de 2016.
A matéria, que aparece na capa da edição europeia e também na distribuída nos EUA, é assinada por Simon Romero (correspondente no Rio) e Christopher Clarey e ilustrada com a imagem acima, da fotógrafa Ana Carolina Fernandes. Uma imagem que retrata um Rio muito diferente daquele que aparece na propaganda oficial do Rio/2016. Infelizmente, um cenário que os velejadores vão encontrar já em agosto, quando acontecerá o primeiro evento teste dos Jogos, exatamente da vela.
“Nico Delle Karth, um velejador austríaco que está se preparando para 2016, disse que é o lugar mais sujo no qual ele já treinou”. Assim começa a reportagem, uma das mais duras publicadas pela grande imprensa internacional sobre os preparativos para a próxima Olimpíada. “Ele encontrou de tudo, desde pneus de carros até colchões. A água cheirava tão mal que ele sentia medo de colocar o pé nela para encostar seu barco na areia”, prossegue o NYT.
O jornal lembra que, enquanto corre para terminar seus estádios a um mês da Copa, o Brasil já sofre “críticas mordazes” pela preparação para os Jogos de 2016. A matéria cita as críticas recentes de dois dirigentes importantes: Francesco Ricci Bitti, presidente da Associação das Federações Internacionais, John D. Coates, vice-presidente do COI. Ambos lembraram dos atrasos nas obras: nem 10% do prometido está pronto.
“A Baía de Guanabara oferece o tipo de imagem de cartão postal que as autoridades do Rio querem mostrar como anfitriões dos Jogos de 2016, mas tornou-se o ponto central de reclamações, transformando águas poluídas do Rio em um símbolo de frustrações com os preparativos os Jogos”, escreve o jornal.
As críticas do NYT, extensas, passam pelo jogo de empurra-empurra entre governos municipal, estadual e federal sobre quem faz o que no Rio/2016, lembram que o velódromo do Pan foi desmontado para dar lugar a um 10 vezes mais caro, que o Engenhão está fechado e destacam que o problema da poluição não surgiu ontem.
A reportagem pode ser lida na íntegra no site do NYT.
http://blogs.estadao.com.br/olimpilulas/nao-encostem-na-agua-do-rio-alerta-o-new-york-times/

domingo, 16 de junho de 2013

Tempo esgotado

Basta mergulhar nas águas turvas e ver o lixo espalhado pelo fundo do mar para constatar que será impossível entregar a Baía de Guanabara limpa até a Olimpíada

por Bruna Talarico e Ernesto Neves | 19 de Junho de 2013


Mergulhar nas águas escuras da Baía de Guanabara dá medo, não há vergonha em admitir. A 6 metros de profundidade, bem em frente à mureta onde os clientes do Bar Urca bebem sua cervejinha, o silêncio só é cortado pelo som das bolhas da própria expiração e pelos murmúrios que denotam o nojo de tocar no fundo. O cenário iluminado por um refletor é apocalíptico: colinas de lama marrom, densa e gosmenta, se estendem em um relevo contínuo a perder de vista. Trata-se de matéria orgânica em putrefação, proveniente do contínuo despejo de lixo e esgoto nas águas. Sobre os morrinhos, está disposta toda sorte de objetos. Tênis, jarras, pneus, embalagens de plástico e de alumínio, preservativos, pincéis, tapetes, roupas, correntes e brinquedos, tudo facilmente identificável. Mas há também aqueles em decomposição, que se desfazem ao toque. Qualquer movimento mais abrupto é suficiente para que a matéria orgânica se desgarre da espessa camada de lodo e envolva tudo o que está ao redor em uma nuvem de partículas. Aí sim a situação fica realmente assustadora, e a visibilidade simplesmente deixa de existir na água imunda.





O panorama desolador constatado pelos repórteres de VEJA RIO é surpreendente para quem está acostumado a ver o belo cenário de fora, mas já é esperado por quem navega ali. Em maio, uma regata ecológica organizada pela Escola Naval na Marina da Glória comprovou o estado mais que crítico das águas. Em duas horas, os participantes recolheram nada menos que 220 quilos de lixo que flutuava na superfície, no mesmo local em que serão realizadas as provas de vela da Olimpíada de 2016. A podridão é tal que já fez soar o alerta vermelho entre os esportistas e os organizadores dos Jogos. No dossiê de candidatura do Rio a cidade-sede, os governos federal, estadual e municipal prometeram que tratariam cerca de 80% dos 18 000 litros de esgoto lançados por segundo na baía. Faltando três anos para o acendimento da pira olímpica, é consenso entre especialistas que esse índice não será alcançado. "Em áreas densamente povoadas no entorno, como Maré e São Gonçalo, não existe saneamento básico nem coleta de lixo", diz Paulo Cesar Rosman, professor de engenharia oceânica da Coppe-UFRJ. "Organizar esse caos urbano em três anos é impossível", constata.

Na triste realidade da Guanabara, as estatísticas comprovam o que o olfato dos cariocas percebe de longe. Dois terços dos dejetos produzidos por mais de 10 milhões de pessoas são despejados ali sem nenhum tratamento. Como resultado, as 53 praias em seu perímetro são impróprias para o banho devido aos elevados índices de coliformes fecais. Em um dos pontos mais críticos, próximo à Ilha do Governador, 70% das amostras coletadas no último ano indicavam uma quantidade de fezes quase cinco vezes maior que a aceitável. Outro problema grave é o lixo. Cinquenta e cinco rios, córregos e canais fétidos que cortam os oito municípios do entorno transportam a cada dia aproximadamente 1 000 toneladas de detritos — um combinado que vai de embalagens descartáveis a sofás, eletrodomésticos e partes de automóveis. Além do inegável impacto ambiental, destroços e objetos flutuando na baía são particularmente perigosos para velejadores. "Com o barco a 50 quilômetros por hora, um pedaço de madeira pode provocar grave acidente", afirma o iatista Ricardo Winicki, que participou de quatro olimpíadas. "Jamais vi um local de competição poluído como aqui. Na Europa e nos Estados Unidos, as águas são tão translúcidas que é possível enxergar até o fundo", compara.



As primeiras iniciativas para tentar limpar um de nossos mais espetaculares cartões-postais remontam à última década do século passado. Há 21 anos, o anúncio da faxina foi feito com pompa durante a Conferência de Meio Ambiente das Nações Unidas, a Eco 92. O controle sobre fábricas poluidoras aumentou, mas o projeto que consumiu mais de 1,5 bilhão de reais ao longo de seis governos fracassou vergonhosamente no que diz respeito ao controle do esgoto. Entre 1994 e 2006, ano de seu encerramento, foram construídas seis centrais de tratamento, que, no entanto, ainda hoje operam em padrões muito inferiores a sua capacidade. A rede de tubulações de 1 248 quilômetros que deveria ser implantada para transportar os resíduos até as estações foi deixada pela metade. Desde 2007, está em andamento um novo programa orçado em 1,3 bilhão de reais para terminar o que se abandonou pelo caminho. Mas o ritmo segue lento. Em Duque de Caxias, onde há três anos não existia rede de esgoto, apenas 2% do previsto foi efetivamente implantado. As dez ecobarreiras instaladas até hoje na bacia hidrográfica da baía retiraram em 2012 pouco mais de 4 000 toneladas de lixo, o equivalente ao volume lançado pela população local em apenas quatro dias. "O passivo que encontramos é enorme, e estamos correndo contra o tempo para evitar um vexame internacional", justifica o secretário estadual de Ambiente, Carlos Minc. Na atual velocidade, será muito difícil não passarmos vergonha.



Diante de tal cenário, começam a ser adotadas medidas paliativas que, embora tenham o objetivo de mitigar o problema, estão longe de ser uma solução eficaz. Como não há mais tempo para construir uma rede de saneamento abrangente, foi iniciada a implantação de cinco Unidades de Tratamento de Rios (UTRs), ao custo de 40 milhões de reais cada uma. As estações serão construídas na foz de canais poluídos e removerão até 80% da imundície orgânica da água com o uso de aditivos químicos. Dessa nova leva, a primeira, no Rio Irajá, fica pronta em novembro e possui capacidade para tratar 1 750 litros de efluentes por segundo. Pelos cálculos do governo, a unidade deve reduzir em 12% a quantidade de esgoto que emporcalha a baía. Em São Paulo, a mesma técnica foi testada sem sucesso. Lá, o governo estadual injetou 160 milhões de reais para limpar o Rio Pinheiros, mas verificou que, mesmo após o processo, a água permanecia contaminada por outros tipos de poluente. "É uma solução transitória. No dia em que conseguirmos implantar o sistema de coleta, poderemos desativar as UTRs", diz Gelson Serva, coordenador do programa de saneamento. Outro recurso emergencial que começa a ser utilizado até o fim do ano é uma frota com uma dezena de barcos que recolherão os detritos flutuantes. Serão os navios-lixeiros. Pois é. O antropólogo francês Claude Lévi-Strauss (1908-2009), que, em visita ao Rio há quase oitenta anos, disse detestar a Baía de Guanabara, teria hoje razões bem concretas para repetir tal declaração.





É bem possível que, até a realização dos Jogos, a operação implantada de afogadilho consiga melhorar a situação periclitante de hoje. No entanto, a abordagem cosmética apenas reforça a frustração de deixar passar mais uma excelente oportunidade de atacar o problema, que é a falta de saneamento básico no Grande Rio, pela raiz. Outras metrópoles se saíram bem ao combater a poluição de suas águas. Maior cidade australiana, Sydney é um caso emblemático de como aproveitar o embalo dos Jogos Olímpicos para se livrar da sujeira das águas de sua baía. Lá, o problema eram os resíduos químicos lançados durante várias décadas por empresas instaladas nos subúrbios e o lixo trazido pelo sistema de escoamento pluvial para a baía e a região do porto. Com um investimento de 1,6 bilhão de dólares, foi realizada durante quatro anos uma gigantesca operação de limpeza para retirada das camadas do solo contaminado do fundo do mar e construído um complexo sistema de reservatórios e estações de tratamento. Um ano antes da chegada dos atletas, os resultados já eram visíveis. É um cenário que dificilmente se verá aqui. "Para falar em recuperação, é preciso atacar o lançamento de esgoto e lixo. Não existe nenhuma possibilidade de mudança se isso não for feito", afirma David Zee, oceanógrafo e professor da Uerj. O descaso torna-se ainda mais triste quando se leva em conta que há pontos onde a vida marinha resiste de forma comovente. Mesmo nas asquerosas dunas subaquáticas de lodo visitadas por VEJA RIO, é possível ver um ou outro peixinho nadando na sujeira. Um sinal de que nossa baía ainda pode voltar à vida.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Quem é o dono das palavras?

19/01/13 
POR THAÍS NICOLETI


“Lutar com palavras/ é a luta mais vã. ” (Carlos Drummond de Andrade)

Na semana que passou, tomamos conhecimento de uma estranha iniciativa do COB (Comitê Olímpico Brasileiro), que se articula para tomar posse de uma das mais antigas palavras da nossa língua. Entende o referido comitê que a palavra Olimpíada deva ter proibido – isso mesmo! – o seu uso em outras competições que não os Jogos Olímpicos, como as já célebres olimpíadas de matemática e de outras ciências.
O argumento em defesa de semelhante bizarria é o risco de que a palavra venha a ter algum uso “comercial”, perigo esse que, aparentemente, não houve até hoje, antes que a Olimpíada viesse parar no Brasil.
Se o argumento é mesmo esse, cabe perguntar por que interferir em competições de naturezaeducacional que, por assim se denominarem há tanto tempo, já foram parar até mesmo no dicionário.
Quem abrir o “Houaiss” no verbete “olimpíada” encontrará, depois da definição principal, em que se explica que o termo descrevia o período de quatro anos entre os Jogos Olímpicos na antiga Grécia, as seguintes acepções:  “competição (de algum esporte ou jogo) que se repete em épocas determinadas” Ex.: olimpíada de xadrez, olimpíadas escolares  e “competição em que se demonstra o conhecimento em uma área do saber” Ex.: olimpíada de matemática, olimpíada de química.
Os deuses do Olimpo talvez não estejam gostando muito dessa brincadeira, afinal as Olimpíadas surgiram para homenagear a Zeus, o principal deles. Se é que palavra tem dono, talvez seja melhor consultar os gregos. Depois da confusão em torno do termo “paraolímpico”, que, na marra, virou “paralímpico” no nome do comitê (Comitê Paralímpico Brasileiro), a turma volta a tratar de assunto que não é de seu domínio.

É bom lembrar que faz parte da normalidade linguística a movimentação das palavras por diferentes campos semânticos, o que só prova a sua vitalidade entre os usuários da língua.  Até mesmo uma marca registrada pode ter seu uso amplificado pelos falantes de um idioma. Vale aqui lembrar um caso muito conhecido: a popular lâmina de barbear chamada de “gilete” deve seu nome à marca registrada “Gillette”, que leva o nome do inventor do aparelho. Ninguém, que se saiba, processou ninguém por uso indevido da palavra, mesmo sendo a gilete em questão a do concorrente…
Marcas pioneiras costumam beneficiar-se dessa disseminação de seu nome. O caso do Danone é exemplar. Durante muito tempo, foi um verdadeiro sinônimo de iogurte industrializado. É o que ainda se dá com o Catupiry, que, embora seja uma marca, é percebido como um tipo muito particular de queijo.
Talvez nem todos saibam que “isopor” também veio de uma marca comercial. O produto em si é conhecido pela sigla em inglês EPS, que se traduz como poliestireno expandido.  Hoje, “isopor” já é título de música (da banda Pato Fu) e assim as palavras vão caminhando – e que ninguém vá inventar processos por aí!
Outro caso é o de “fórmica”, palavra também dicionarizada, cuja origem é uma marca comercial. “Bombril” não está nos dicionários, mas está na boca do povo – e, cá para nós, a empresa só tem a ganhar com isso.
“Jet ski” é outro caso semelhante.  Embora pertença à Kawasaki, a marca já foi parar em dois importantes dicionários brasileiros (“Houaiss” e “Aulete” – versão eletrônica) e em dicionários de inglês  (“Merriam-Webster” e “Longman”, por exemplo) como termo que identifica o referido veículo aquático e, entre nós, também o esporte praticado sobre ele. No ano passado, porém, em razão de um grave acidente ocorrido com uma motoaquática de outro fabricante, a companhia divulgou nota na imprensa em que afirmava estar o termo sendo usado de forma incorreta etc.
A tal “forma incorreta” está disseminada, muito mais que o termo comum “motoaquática”, e é bem provável que a maioria das pessoas não estivesse associando o veículo à Kawasaki. Diante da tragédia de uma garotinha atropelada e morta na praia por uma motoaquática desgovernada, a questão era definir regras para o uso desse tipo veículo e efetivar a fiscalização do seu cumprimento.
Em tempos de bonança, porém, as empresas não costumam reclamar ao verem suas marcas circulando sem cerimônia, transformadas em substantivos comuns.

Thaís Nicoleti de Camargo é consultora de língua portuguesa do Grupo Folha-UOL

http://thaisnicoleti.blogfolha.uol.com.br/