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quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Países onde ser ateísta é literalmente mortal

Religiosamente - Bastidores e curiosidades do mundo religioso

11/12/2013
POR ANNAVIRGINIA
Em 13 países do mundo, ser ateísta, humanista e/ou sem religião é pecado de pena capital.
Recém-lançado relatório da ONG Iheu (Internation Humanist and Ethical Union), chancelada pela ONU, mapeou esse “intolerômetro” (dá para fazer o download gratuito aqui).
Eis o G-13 da intransigência: Afeganistão, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Iêmen, Irã, Malásia, Maldivas, Mauritânia, Nigéria, Paquistão, Qatar, Somália e Sudão.
Segundo a Iheu, a legislação prevê pena de morte para quem cometer apostasia (abandono de uma fé) em 12 desses lugares. Já no Paquistão, pode morrer aquele que blasfemar –não crer em Deus, sem dúvida, “promove” qualquer pessoa a réu.
                                Ateístas protestam em frente ao Vaticano (AP Photo/Sandro Pace)
                                      Ateístas protestam em frente ao Vaticano, em 2003 (AP Photo/Sandro Pace)

AQUI TAMBÉM
Mas a punição letal não é a única forma de oprimir descrentes.
A ONG observa que países de população majoritariamente muçulmana tendem a ser mais radicais –onde são mais comuns casos como o do blogueiro ateísta de Bangladesh assassinado com uma machadada. A liberdade religiosa, no entanto, não é tão unânime assim no Ocidente.
“Leis contra ‘insultar’ a religião, em países relativamente seguros e seculares, não são apenas análogas às leis de blasfêmia mais cruéis em qualquer lugar no mundo. Elas ajudam também a sustentar a norma global na qual o pensamento é policiado e punido”, escrevem os autores do estudo, Kacem El Ghazzali e Alber Saber.
Eles identificaram 55 países com leis antiblasfêmia ou contrárias a críticas ou “insultos” à religião. Em 39 deles, o réu pode ir em cana.
No Ocidente, seis nações receberam a segunda pior avaliação (“discriminação severa”) numa escala de cinco: Islândia, Dinamarca, Nova Zelândia, Polônia, Alemanha e Grécia. Todas elas permitem despachar “blasfemos” para a cadeia por até três anos.
E tem as sanções legais. A revista alemã “Titanic”, por exemplo, afundou num tribunal de Frankfurt após publicar a imagem de Jesus crucificado recebendo sexo oral de um clérigo –apologia aos escândalos sobre pedofilia na Igreja Católica.

E EU COM ISSO?
A tolerância no Brasil é tachada pelo relatório como “em sua maioria satisfatória” (segunda melhor avaliação).
Destaque: o artigo 5 da nossa Constituição, que garante liberdade de crença (ou não crença, no caso). Se há privações à liberdade de expressão no país, concluem os autores, ela é democrática em sua antidemocracia, sem pôr ateístas como alvo preferencial.
Daniel Sottomaior, 42, presidente da Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos, joga uma água nada benta nesse chope libertário.
Para ele, os intolerantes que aqui gorjeiam podem até não gorjear como lá, mas fazem barulho. Ele diz, por exemplo, que o ateísta sofre preconceito em vários estágios da vida, da bronca de professores na escola à rejeição em entrevistas de emprego.
Lembra, também, que qualquer político safo jamais ousaria duvidar da existência de Deus numa eleição, receoso do “milagre” da subtração de votos.
Inevitável lembrar da titubeada de Fernando Henrique Cardoso na corrida à Prefeitura de São Paulo em 1985. Declarações do tucano à época deram margem para que adversários colassem nele o rótulo de ateu maconheiro. Na reta final, melindres do eleitorado provavelmente custaram votos a FHC. Vitória de FHC.
“O político pode até ser mau caráter, mas sabe que se declarar ateu é sentença de morte”, diz o militante Daniel –que na internet já  ganhou apelidos como “o bispo Macedo do ateísmo”.
Outro caso destacado por ele: um garoto que se recusava a orar antes de jantar. “Os pais se encheram, e a mãe segurou suas mãos para rezar enquanto o pai batia nele”.
No Censo de 2010, 14,6 milhões de brasileiros disseram não ter uma religião. São o segundo maior grupo populacional, atrás apenas dos católicos –vale lembrar que evangélicos foram fracionados em várias denominações.

OS AUTORES DO RELATÓRIO
Kacem El Ghazzali é presidente da Associação de Ex-Muçulmanos na Suíça.
Alber Saber, um ateísta criado numa casa de cristãos coptas. Em 2012, ele lançou no Egito o filme “Inocência dos Muçulmanos”.
Como retaliação, o ativista de 27 anos foi tirado de casa por uma multidão enfurecida e, depois, agredido na prisão –um guarda havia anunciado seu “crime” na frente dos companheiros de cela. Após pagar fiança, ele foi liberado, fugiu do Egito e, hoje, vive escondido.

O QUE SERÁ, SERÁ
Descobri essa pesquisa (uma boa dica de Roberto Dias, editor de mídias digitais da Folha) no dia em que a “Time” divulgou o papa Francisco como personalidade de 2013, numa galeria que inclui de Adolf Hitler (1938) a Martin Luther King (1963).
Por acaso, horas depois, numa daquelas conversas de internet que viram baião-de-dois de léu com créu, um amigo lembrou da irônica autodefinição lançada pelo cineasta Luis Buñuel (1900-1983) em suas memórias, dois anos antes de morrer: “Sou ateu, graças a Deus”.
Não sou dessas que descarta a importância da religião “em pleno século 21″ –para lançar mão dessa expressão batida, de entrelinhas encharcadas com a ideia de que os tempos atuais são dos homens modernos, livres do suposto “ópio do povo”.
Pessoalmente, não vejo por que defender nem um mundo com nem um sem religiões.  Acredito que, em sociedades multiculturais, cada um que tire as medidas da própria carapuça.
Por isso abordo a descrença em Deus num blog batizado Religiosamente.
No post de apresentação, escrevo a quem talvez seja “católico, evangélico, espírita, muçulmano, judeu, budista, hinduísta, corintiano ou adorador de bacon torradinho na manteiga”.
Torço para que professar sua crença, ou a ausência dela, não signifique um auto-de-fé para ninguém. Que isso não se repita, vá lá, em pleno século 21. Graças a Deus, aos deuses, ao Mano Menezes ou à frigideira de teflon.



quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Circuncisão a tradição do corte

Símbolo da aliança divina para uns, ritual iniciático para outros, essa prática de mais de 5 mil anos tem justificativas religiosas, mitológicas e médicas.
por Malek Chebel


A circuncisão existe há mais de 5 mil anos. Ela é praticada numa vasta zona que vai da África subsaariana até o Oriente Próximo, incluindo a Pérsia, passando pelo Magreb, a Líbia e o Egito, a Palestina, a Síria, a Arábia e o Iêmen. Os turcos são circuncidados, assim como os muçulmanos da Ásia Menor. Judeus e muçulmanos do mundo inteiro são circuncidados, independentemente de suas convicções religiosas. Hoje em dia, o fator de integração e conformidade com a aparência física supera as crenças religiosas. Contabilizamos mais de 900 milhões de circuncidados no mundo, número que pode passar de um bilhão, se considerarmos a evolução do islamismo nas regiões sub-africanas e no Ocidente. Atualmente, as zonas de extensão da circuncisão são a Europa e os Estados Unidos. Por razões de higiene, a circuncisão ganha terreno, sobretudo, em meio laico.


Embora os historiadores tenham se limitado a conjeturas, sabemos que essa prática - como outras intervenções e marcas corporais - antecede todas as invenções da humanidade e até mesmo o monoteísmo. A Bíblia relata que na época de Abraão a circuncisão já era conhecida e praticada às margens do rio Jordão e na Samaria. 

Desde o princípio, essa prática inscreveu-se no registro do simbólico: "E a aliança que eu faço com vocês e com seus futuros descendentes, e que vocês devem observar, é a seguinte: circuncidem todos os homens. Circuncidem a carne do prepúcio. Este será o sinal da aliança entre mim e vocês. Quando completarem oito dias, todos os meninos de cada geração serão circuncidados; também os escravos nascidos em casa ou comprados de estrangeiros, que não sejam da raça de vocês" (Gênesis, XVII, 10-11).
Com exceção dos hieróglifos, estamos diante do texto mais antigo que trata de uma prática ligada ao órgão genital de mais de um bilhão de homens no mundo. Desde tempos remotos, ela envolveu inúmeros povos da Arábia-Iêmen, Etiópia-Sudão-Egito e Mesopotâmia, que estiveram entre os maiores inovadores de ritos sociais.
Heródoto confirma a antiguidade do costume: "[...] Os colquidianos, os egípcios e os etíopes são os únicos povos que sempre praticaram a circuncisão. Os fenícios e os sírios da Palestina reconhecem nesse hábito a influência dos egípcios; os sírios que vivem nos vales do Termodon declaram que esse costume foi introduzido em sua comunidade há pouco tempo pelos colquidianos". E o grande historiador de Halicarnasso conclui: "Egípcios e etíopes, eu não saberia dizer qual dos dois povos foi o primeiro a praticá-lo, pois trata-se de um costume muito antigo" (Histórias, II, 104).

Desde então, a ciência histórica não forneceu muitos dados sobre a prática da circuncisão. Afora o relato da Bíblia citado no início, não dispomos de documentos confiáveis que precisem o local de seu nascimento. "A circuncisão vem dos egípcios, dos árabes ou dos etíopes?", pergunta-se Voltaire, no século XVIII. E afirma: "Sei apenas que os padres da Antiguidade imprimiam em seus corpos marcas de sua consagração, assim como se marcava com um ferro ardente a mão dos soldados romanos" (Obras completas, tomo VII). Para responder parcialmente ao filósofo, sugerimos algumas pistas. Segundo pesquisas, a circuncisão teria nascido em solo africano e dataria de cinco a sete mil anos. Após sua implantação definitiva no leste do continente africano, ela teria migrado para o norte pelo rio Nilo, graças à dispersão de tribos estabelecidas na região.
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Entre os hebreus, o mohel ou moël é o responsável pela circuncisão, chamada hatâna. O rabino inicia o ritual com uma bênção para legitimar a exérese do prepúcio, possibilitando a denominação da criança. A circuncisão judaica, além de permitir o acesso à lei divina, representa o sinal da aliança com o povo eleito: "Minha aliança estará marcada na carne de vocês como aliança eterna" (Gênesis, XVII, 10-13).
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No que se refere à circuncisão entre os árabes, desde tempos imemoriais os habitantes da península Arábica, formada por Iêmen, Omã, Iraque e Palestina, praticam a circuncisão em meninos de 13 anos. Sabemos que esse costume originou-se com a circuncisão de Ismael, o antepassado dos árabes, filho do patriarca Abraão, que foi circuncidado aos 13 anos. A Bíblia, contrariamente ao Alcorão, relata esse episódio.

Há dois outros elementos importantes que contribuíram para a aceitação islâmica da circuncisão. Por um lado, o profeta Maomé (570-632) - nascido circuncidado segundo a lenda - nunca a proibira, e, por outro, a circuncisão tornara-se um privilégio matrimonial. Até o início do século XX, os jovens iemenitas de 16 anos deviam ser circuncidados perante suas prometidas, testemunhas da coragem e do estoicismo de seus futuros esposos.

No entanto, cabe enfatizar o propósito, talvez apócrifo, atribuído ao califa Umar (581-644), que dizia: "Maomé foi enviado ao mundo para islamizá-lo e não para circuncidá-lo". Seja como for, desde a chegada do islamismo e da sua extraordinária propagação, ela atingiu todos os países seguidores do culto de Alá.

Finalmente, servindo de base a todas as razões mencionadas e parecendo legitimá-las, a questão da higiene é recorrente no campo da peritomia. A própria circuncisão muçulmana a encerra em seu nome: tahara (purificação) no Magreb; sounna (tradição) no Sudão e no Egito, khotên na Turquia e na Pérsia e enfim taziinet (embelezamento) na Mauritânia.

Mas se a circuncisão é uma prática "fortemente recomendada", não é uma condição religiosa stricto sensu do islamismo nem uma prescrição da doxa. Ela é adotada em terra islâmica, inclusive pelos novos convertidos, mas não faz parte das cinco condições exigidas para ser um bom muçulmano: profissão de fé, prece, doação, jejum e peregrinação à Meca.
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Um rito, três justificativas
A circuncisão é justificada por três tipos de discursos. Cada cultura segue aquele que mais se enquadra a suas tradições e costumes

Mitológica
É aquela aplicada às tribos africanas e aos povos que seguem a circuncisão pré-monoteísta e profana, como ocorre nas ilhas de Vanuatu, na Austrália e ao sudeste da Nova Guiné.
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Religiosa
A circuncisão hebraica é o melhor modelo dessa vertente explicativa. De fato, o judaísmo considera a supressão do prepúcio como uma validação ou confirmação da adesão ao dogma. Fala-se, nesse caso, em "sinal de aliança" e "ingresso na Torá".

Quanto ao cristianismo, a circuncisão não é preconizada, mas sublimada a uma vocação espiritual. Lembremos da linha de demarcação introduzida pela literatura patrística. Filastro de Brescia fala da "circuncisão do coração", enquanto Tertuliano evoca a "circuncisão espiritual".

O islamismo não trouxe mudanças importantes ao rito. Para essa religião, a circuncisão implica uma purificação corporal, uma "prova" necessária ao fiel quando passa a freqüentar a mesquita. Dessa forma, sua função espiritual é relegada ao segundo plano. A explicação religiosa da circuncisão resume-se ao conceito de privar o homem de fatores exógenos que possam desviá-lo do caminho espiritual.

Médica
A explicação mais comum para os partidários atuais da circuncisão seria o fator higiênico. Em realidade, essa tese data de Filon de Alexandria (13 a.C. - 54 d.C.), filósofo judeu de origem grega que, em sua obra De circumcisione, chama a atenção para o fato de que a circuncisão garantiria uma maior higiene ao órgão genital masculino, evitando uma série de afecções como sífilis, fimose, herpes, balanopostites, falsa gonorréia, concentração de esmegma.
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Malek Chebel é antropólogo, psicanalista, especialista no mundo árabe e no islã; publicouHistoire de la circoncision des origines à nos jours (História da circuncisão das origens à atualidade, Balland. Coll. Le Nadir).

Para ler o texto na íntegra, basta acessar o site abaixo.
http://www2.uol.com.br/historiaviva/reportagens/circuncisao_a_tradicao_do_corte_imprimir.html