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segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Quem está fazendo mais pelos refugiados sírios?

POR DIOGO BERCITO
07/09/15


As histórias que chegam da Europa são assustadoras. Leandro Colon, enviado pela Folha para cobrir a crise de refugiados no continente, tem feito excelentes relatos sobre essa multidão em fuga de países como a Síria –onde mais de 200 mil foram mortos durante a guerra civil em curso desde março de 2011.
Mas aqueles que começaram a se interessar pelo tema nestas semanas, em especial após a publicação da foto de um menino morto em uma praia turca, podem ter a sensação de que a onda de refugiados afeta principalmente, e de maneira mais séria, a Europa. Não é bem assim.

Segundo a Anistia Internacional, 95% dos 4 milhões de sírios que deixaram o país estão em apenas cinco países: Turquia, Líbano, Jordânia, Iraque e Egito. Quase 2 milhões deles estão na Turquia, e 1,2 milhão já refugiou-se no Líbano.
O impacto desse fluxo, no Oriente Médio, é bastante grave. O Iraque vive também sua crise, com 3 milhões de seus próprios cidadãos deslocados internamente. O Líbano, por sua vez, enfrenta milícias terroristas em suas fronteiras, e aproximadamente uma a cada quatro pessoas no país são refugiados vindos da Síria.
Tampouco a crise dos refugiados é recente. Estive em 2013 com o fotógrafo Joel Silva no campo de refugiados de Zaatari, na Jordânia –o segundo maior do mundo, com 85 mil sírios vivendo em tendas no meio do deserto
Há, por outro lado, os países do Oriente Médio que pouco têm feito em relação aos refugiados sírios. Como relata o jornal americano “Washington Post”, países do Golfo –como a Arábia Saudita– têm feito “quase nada” por essas pessoas. O “New York Times” também discute a questão.
Kenneth Roth, diretor do Humans Right Watch, tuitou recentemente: “Adivinhe quantos desses refugiados sírios a Arábia Saudita e outros Estados do Golfo se ofereceram para receber? Zero”.
A falta de auxílio vinda desses países, conhecidos pela abundância de recursos e pelo alto padrão de vida, é ainda mais impressionante dado o fato de que seus governantes estão envolvidos na crise regional, alguns deles com apoio direto a facções na Síria.

http://mundialissimo.blogfolha.uol.com.br/

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

'Estado Islâmico' perde tanques, mas amplia cerco a cidade na fronteira turca

BBC
Crédito: AFP

Apesar de bombardeios americanos, "Estado Islâmico" avançou sobre cidade controlada por curdos
Apesar dos bombardeios americanos que destruíram parte de seus tanques, os militantes do grupo que se autodenomina "Estado Islâmico" ampliaram o cerco nesta sexta-feira à cidade síria de Kobane, perto da fronteira com a Turquia, onde entraram em confronto com forças curdas.
Os confrontos eram visíveis do território turco, onde alguns manifestantes chegaram a cruzar uma cerca na fronteira para defender a cidade.
Mais cedo, os Estados Unidos destruíram quatro tanques e danificaram outro na quarta noite de bombardeios na Síria.
Já o Parlamento britânico consentiu em realizar ataques aéreos contra o "Estado Islâmico" no Iraque, enquanto Bélgica e Dinamarca também anunciaram que vão participar da operação.
O Estado Islâmico domina atualmente grande parte do nordeste da Síria e, no início do ano, tomou o controle de grandes áreas no vizinho Iraque, incluindo a segunda maior cidade do país, Mossul.
Alguns líderes ocidentais, no entanto, ainda estão reticentes em bombardear a Síria, já que o governo de Bashar al-Assad não pediu ajuda internacional para combater o grupo radical islâmico, diferentemente do Iraque.
Na semana passada, militantes do "Estado Islâmico" avançaram sobre a cidade de Kobane, levando cerca de 140 mil pessoas a fugir em direção à Turquia.
No entanto, alguns dos refugiados, na tentativa de frear o avanço dos radicais, tentaram retornar à cidade. O governo turco reagiu e usou bombas e de gás e canhão de água para interrompê-los.
Segundo testemunhas, em meio ao confronto em Kobane, pelo menos duas bombas caíram em território turco.

Apoio britânico

Crédito: PA
David Cameron: ""Estado Islâmico" declarou guerra contra nós"
Após sete horas de debate, os parlamentares do Reino Unido votaram majoritariamente a favor dos ataques aéreos, e seis caças das Forças Aéreas britânicas podem ser usados no combate já neste fim de semana.
Segundo o primeiro-ministro britânico, David Cameron, o "Estado Islâmico declarou guerra contra o Reino Unido".
"Terroristas psicopatas estão tentando nos matar e nós temos de nos dar conta disso; queira ou não queira, eles já declararam guerra contra nós", afirmou na Câmara dos Comuns.
O governo da Dinamarca concordou em enviar sete caças F-16, enquanto parlamentares belgas afirmaram que colaborariam com a operação com seis jatos.
O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, fez um apelo nesta semana para que mais países participem do combate contra o "Estado Islâmico", chamando-o de "rede de morte".
Mais de 40 países, incluindo muitos do Oriente Médio, já se ofereceram a se juntar à coalizão, afirmaram autoridades americanas.
Nesta semana, a presidente Dilma Rousseff criticou o bombardeio dos Estados Unidos contra o "Estado Islâmico".

Ataques americanos

Os últimos ataques dos Estados Unidos foram realizados por caças e drones.
Os tanques do "Estado Islâmico" foram destruídos na província de Deir al-Zour, conhecida pela produção de petróleo, informou o Departamento de Defesa dos Estados Unidos por meio de um comunicado.
Na mesma nota, o órgão americano afirmou que os ataques no Iraque destruíram nove veículos do grupo radical e danificou outros.
Crédito: Reuters
Estados Unidos bombardearam mais alvos do "Estado Islâmico" nesta sexta-feira
O Observatório Sírio para Direitos Humanos, uma ONG sediada no Reino Unido, que monitora o conflito na Síria, afirmou que o número de mortos ainda permanece desconhecido.
Os ataques aéreos vêm mirando instalações de petróleo sob o controle do "Estado Islâmico" tanto no Iraque quanto na Síria. O objetivo é reduzir a principal fonte de recursos financeiros do grupo.
Estimativas não oficiais apontam que o "Estado Islâmico" ganhe cerca de US$ 2 milhões (R$ 4,4 milhões) por dia apenas com as vendas de petróleo.
Nas últimas semanas, três reféns internacionais (dois americanos e um britânico) foram decapitados por militantes do grupo radical.
Na terça-feira (23), o chefe do departamento de anti-terrorismo da União Europeia, Gilles de Kerchove, disse, em entrevista à BBC, que cerca de 3 mil europeus se juntaram ao "Estado Islâmico" para combater a favor do grupo.
Ele alertou que os ataques aéreos aumentariam o risco de retaliação na Europa.
Mais cedo, o ministro do interior da Espanha, Jorge Fernández Díaz, afirmou que as polícias espanholas e marroquinas prenderam nove pessoas suspeitas de pertencer a um braço ligado ao "Estado Islâmico".
Um comunicado do ministério afirmou que os suspeitos pertenciam a um grupo sediado no enclave espanhol de Melilla, no Marrocos, no norte da África, e na cidade vizinha de Nador.
Um dos detidos tem nacionalidade espanhola; os outros são marroquinos, acrescentaram as autoridades.
No início dessa semana, o Conselho de Segurança (CS) da ONU adotou uma resolução forçando os países a evitar que seus cidadãos de se juntar a jihadistas no Iraque e na Síria.
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/09/140926_estado_islamico_consolidado_lgb


terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Afeganistão luta contra desnutrição infantil

Lashkar Gah, Afeganistão
No hospital Bost, em Lashkar Gah, Bibi Sherina estava sentada num leito da enfermaria de desnutrição grave e aguda com seus dois filhos. Com apenas três meses de idade, Ahmed parecia maior que seu irmão Mohammad, que tinha um ano e meio e pesava menos de cinco quilos.
Outro leito era ocupado por Fatima, com menos de um ano de idade e tão desnutrida que seu coração estava entrando em falência. Os médicos disseram que a menina morreria em pouco tempo, a não ser que seu pai conseguisse dinheiro para levá-la a Cabul para uma cirurgia.
Hospitais afegãos como o Bost, na capital da província de Helman, vêm registrando forte aumento nos casos de desnutrição infantil grave.
Em todo o país, segundo cifras da ONU, o número desses casos cresceu 50% ou mais comparado a 2012.

Mesmo a capital registrou aumento. "Em 2001 a situação foi ainda pior, mas hoje estamos no pior momento desde aquele ano", disse Saifullah Abasin, diretor da enfermaria de desnutrição do hospital infantil Indira Gandhi, em Cabul.
Daniel Berehulak/The New York Times
                          Samiullah, de oitos meses, possui desnutrição crônica; ele está sendo tratado no hospital Bost, no Afeganistão
Samiullah, de 8 meses, possui desnutrição crônica; ele está sendo tratado em hospital do Afeganistão

As razões do aumento ainda não estão claras. A maioria dos médicos e funcionários humanitários concorda que a guerra contínua e o deslocamento de refugiados estão contribuindo para a desnutrição. Para alguns, o número crescente de pacientes infantis pode ser um bom sinal, pelo menos em parte, pois indicaria que mais afegãos pobres estão ouvindo falar que há tratamento disponível.
Quase todas as vias de suprimento de alimentos sofrem problemas ou estão rompidas. Os esforços para informar a população sobre nutrição e saúde, com frequência, são dificultados por tradições conservadoras que mantêm as mulheres enclausuradas, sem acesso a qualquer pessoa de fora da família. A agricultura e as fontes tradicionais de apoio social foram prejudicadas pela guerra e pelo êxodo de refugiados para as cidades. Os programas de alimentação terapêutica foram comprometidos, na medida em que o fluxo de ajuda foi obstruído por tensões políticas ou violência.
Em nenhum lugar a situação parece ser tão obviamente grave quanto na enfermaria de desnutrição do hospital Bost, que vem recebendo 200 crianças por mês com desnutrição grave e aguda -quatro vezes mais que em janeiro de 2012, segundo a organização Médicos Sem Fronteiras, que fornece verbas e profissionais ao hospital, administrado por afegãos.
Um paciente, o garoto Ahmed Wali, de dois anos, apresentava kwashiorkor, condição resultante de deficiência de proteínas, com cabelos alaranjados, abdome distendido e pés inchados. Samiullah, bebê de oito meses, sofria de marasmo (desnutrição crônica), em que o rosto da criança parece o de um idoso enrugado.
No final do ano passado, a Médicos Sem Fronteiras ajudou o hospital Bost a quase dobrar o número de leitos na ala pediátrica, mas ainda não há leitos suficientes. Entre 40 e 50 crianças recebem tratamento a cada dia; cada leito geralmente é ocupado por duas crianças, pelo fato de elas serem tão pequenas. Quase 300 outras crianças seguem um programa de alimentação para pacientes ambulatoriais. O pediatra Mohammad Dawood disse que, entre junho e agosto, o hospital perdeu sete a oito pacientes infantis por mês por desnutrição, número que caiu para cinco em setembro.
Diferentemente das crises de desnutrição vistas em outros lugares do mundo, esta não está vinculada à escassez de alimentos específicos ou ao fracasso de safras. Além disso, os pais não aparecem subnutridos, mesmo quando seus filhos estão.
Os médicos que tratam das vítimas propõem muitas explicações. "Há minas terrestres nos campos, e eles não têm como chegar às suas plantações", disse Dawood. Para o médico Yar Mohammad Nizar Khan, diretor de pediatria do hospital Bost, a causa está na falta de aleitamento materno.
Daniel Berehulak/The New York Times
                          Noor Ahmad, 4, foi trazido ao Bost para tratamento contra desnutrição
                    Noor Ahmad, 4, foi trazido ao hospital Bost para tratamento contra desnutrição

O acesso à água potável é difícil no país, e a maior parte do leite consumido é leite em pó. É uma receita para diarreia e outras condições que agravam a desnutrição.
Os casos de desnutrição aguda já chegam a mais de cem por mês no hospital infantil Indira Gandhi, em Cabul, com entre cinco e dez mortes mensais. Os casos dobraram desde 2012, disse o médico Aqa Mohammad Shirzad, encarregado dos programas de desnutrição pediátrica do hospital.
Cada um dos 17 leitos que o hospital tem para pacientes gravemente desnutridos está ocupado por pelo menos dois pacientes. A UTI contra desnutrição possui uma incubadora que não funciona, uma bomba de sucção e tubos de oxigênio (para máscaras respiratórias) utilizados sem suportes ou conexões adequadas. Recentemente, um garoto de cinco anos estava sendo tratado sobre um banco, porque o tubo de infusão não chegava até o leito. Faltavam duas vidraças na janela ao lado.
Este é o melhor hospital pediátrico do país, aquele para o qual o pai da menina Fatima foi orientado a levá-la para passar por cirurgia cardíaca.

Colaboraram Jawad Sukhanyar, de Cabul, Taimoor Shah, de Kandahar, e funcionários do "New York Times" em Khost e Kunar 
http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2014/01/1402476-afeganistao-luta-contra-desnutricao-infantil.shtml

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Sobre barreiras e muros em Israel

POR DIOGO BERCITO
15/01/14
                         Trecho da barreira de segurança entre Israel e um campo de refugiados palestinos. Crédito Ammar Awad/Reuters
Trecho da barreira de segurança entre Israel e um campo de refugiados palestinos. Crédito Ammar Awad/Reuters
Refiz, nas vésperas do Natal, o caminho bíblico de Maria entre Nazaré e Belém. Em uma reportagem (Leia abaixo) bastante criticada, inclusive pela diplomacia israelense, a edição natalina do jornal narrava os obstáculos nesse percurso, caso repetido hoje entre Israel e os territórios palestinos da Cisjordânia.
O texto não tinha objetivo político, a despeito do afirmado pelos críticos. Tampouco tomava posição de um ou de outro lado. Mas, de acordo com a observação de que a reportagem carecia de uma análise mais profunda sobre a razão de haver uma barreira física entre Israel e a Cisjordânia, convidei o capitão Roni Kaplan, porta-voz do Exército israelense, para um relato especial aqui no Orientalíssimo blog.
O texto abaixo, assinado pelo capitão, foi escrito em espanhol e traduzido por mim ao português com a autorização dele. Os interessados podem procurá-lo pelo Facebook (clique aqui) ou Twitter (aqui). Nenhuma ofensa pessoal ao capitão ou a mim serão publicadas nos comentários deste blog.
***
Para mim é um prazer receber este convite ao blog de Diogo Bercito, daFolha, único veículo escrito brasileiro que tem um jornalista fixo aqui no Oriente Médio, pelo que me consta.
Somente tendo como base um jornalismo sério e profissional é que se pode abordar os conflitos complexos que inundam o Oriente Médio e, em particular, o conflito israelense-palestino, que se encontra nestes meses em meio a um processo de paz mediado pelos americanos.
O objetivo destas linhas é oferecer ao leitor uma visão mais profunda das razões que levaram ao estabelecimento da barreira defensiva entre os territórios da Judeia e Samaria (Cisjordânia) e na zona oeste do Estado de Israel, em uma perspectiva de segurança e de direitos da população.
Para abordar o tema é importante ter em mente alguns axiomas básicos: 1) Israel é 400 vezes menor do que o Brasil. 2) Na zona de Tulkarem, ao norte de Tel Aviv, a distância entre o mar Mediterrâneo e a linha verde é somente de 13,8 quilômetros. 3) A faixa costeira de Israel, que está ao lado de Judeia e Samaria, é 20% do território nacional, em que vive 70% da população (140 milhões de pessoas, em termos de Brasil) e se produz 80% do PIB. Essa zona é o coração do país tanto do ponto de vista populacional quanto do produtivo.
Aproximadamente 3% da extensão da barreira defensiva está construída em forma de parede de concreto por duas razões: evitar que francoatiradores ataquem casas e veículos e diminuir possíveis danos causados por vandalismo. A Amazônia ocupa aproximadamente 20% do território brasileiro. Seria ilógico que alguém diga que o Brasil é uma selva; duplamente ilógico seria argumentar que a barreira defensiva é um muro.
Em muita vezes, aqui em Israel, a gente pode chegar a viver com medo. Porque minha esposa e minhas filhas têm de subir ao ônibus em Jerusalém com medo de que uma bomba exploda? Desde que a barreira defensiva existe, o medo é menor, assim como a perda de vidas civis israelenses.
Entre 2000 e 2005, sem a barreira, morreram em Israel mais de mil civis em atentados suicidas, francoatiradores e outras formas de terrorismo. Mais de 6.000 israelenses foram feridos na mesma época. Estamos falando de civis assassinados enquanto tomam um café, desfrutam das férias em um hotel com a família ou dançam e bebem cerveja em uma discoteca de Tel Aviv. É claro que, para o terrorista, é bastante fácil chegar a esses lugares se não houve um controle.
Segundo os axiomas escritos acima, está claro que da Cisjordânia ao coração da vida civil israelenses há alguns minutos de direção ou um pouquinho de caminhada. Se o terrorista tiver a intenção e os meios para efetuar o atentado, é uma questão de decisão, e não mais, se vai executá-lo ou não. Como fazer, então, para nos defender de um terror que ameaça a população e arruína a rotina da vida, em um espaço tão pequeno?
A construção da barreira segue salvando vidas diariamente ao evitar atentados terroristas que não aparecem na imprensa. Mas a barreira não salva vidas por si só, mas faz parte de uma doutrina de defesa que inclui a Inteligência e as capacidades operacionais das Forças de Defesa de Israel para frustrar atentados terroristas antes que sejam executados.
A isso temos de adicionar as atividades das forças de segurança palestinas, que por interesse próprio lutam contra grupos terroristas como o Hamas, evitando que levem a cabo atentados que, ao longo prazo, prejudicariam o grau de governabilidade da própria Autoridade Palestina.
É claro que a barreira não é hermética. Nos últimos meses, houve váriosatentados nas mãos de terroristas que vivem na Cisjordânia, como os assassinatos a sangue frio dos soldados Tomer Jázan e Eden Atías e o artefato explosivo em um ônibus na cidade de Bat Yam há três semanas, que por sorte não deixou vítimas. Sem esta barreira, seria muito pior.
Esta barreira defensiva é um obstáculo para o terror, não é uma barreira para a paz. Nós a construímos de uma maneira em que possa ser movida facilmente, se necessário. Se não houvesse terrorismo, não haveria barreira.
Além disso, a localização pela qual passa a barreira está sujeita a constante revisão judicial por parte da Suprema Corte de Justiça. Palestinos ou israelenses estão em seu direito de dirigir-se à ela e solicitar a mudança. De fato, palestinos se dirigiram 168 vezes à Corte para pedir que a localização da barreira seja alterada. Em várias vezes a Corte decidiu em seu favor, ao custo de dezenas de milhões de dólares para o Estado de Israel.
Nas Forças de Defesa de Israel, estamos totalmente comprometidos com oprincípio da proporcionalidade, que se equilibra entre o direito da população palestina na região (à vida, ao respeito, à propriedade privada, à liberdade de culto e de costumes) e o direito à segurança da população israelense. Ambos os elementos determinam a localização exata de cada trecho da barreira.

Há 46 passagens na barreira que permitem o movimento de um lado ao outro, além de 78 cruzamentos projetados para o uso pessoal para questões familiares ou de agricultura. Assim também foram construídos 14 caminhos alternativos para a população palestina de maneira a interferir minimamente em sua liberdade de movimento. Em 2013, palestinos passaram pela barreira para Israel em mais de 11 milhões de vezes. O custo total da barreira para o governo de Israel é de US$ 11 bilhões.

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Folha refaz trajeto que Maria teria percorrido antes do nascimento de Jesus

DIOGO BERCITO
ENVIADO ESPECIAL A BELÉM (CISJORDÂNIA)
25/12/2013

Crianças árabes posam, em Nazaré, para uma fotografia. Nas cabeças inquietas, um chapéu em forma de árvore natalina. Elas aproveitam o dia para passear pelo cenário que a tradição cristã atribui à infância de Jesus.
Mas a reportagem não as segue pelas ruelas pelas quais caminham cantando. A Folha está em Nazaré para fazer o caminho bíblico entre essa cidade e Belém. É o trajeto que a tradição estabelece para Maria, antes de Cristo nascer.
Mas Maria, se decidisse fazer a viagem atualmente, teria de lidar com os desafios contemporâneos, distintos daqueles da Antiguidade. Hoje, essa estrada inclui controles militares e um caminho que, em tempos de ocupação da Cisjordânia, é em todo volátil e imprevisível.
O trajeto tem cerca de 160 quilômetros pela estrada que vai por fora dos territórios palestinos, em Israel, tomando menos de duas horas. Mas a reportagem leva, por dentro da Cisjordânia, todo o dia para repetir esse difícil caminho, entre viagens e entrevistas.
O ditado, entre palestinos, diz que Jesus teria nascido no muro que separa Israel da Cisjordânia. Cartões natalinos mostram reis magos impedidos de ir à manjedoura.
PARTIDA
A viagem começa no tradicional mercado de artesanato de Nazaré. Mercadores reclamam da falta de organização e de divulgação, que fazem desta importante cidade histórica um destino turístico pouco visitado.
"No ano passado, a Prefeitura pagou pela viagem e pela acomodação", diz Margo Zeidan, que vende "tatriz", bordados palestinos. "Eles deveriam organizar melhor o Natal, para que essa não seja minha última participação."
A Maria inventada pela reportagem segue, depois de comprar um xale com detalhes de flores, para a periferia de Nazaré, onde toma uma xícara de chá com hortelã no restaurante Nostalgia.
A árvore de Natal, ali, é decorada com os nomes de vilarejos palestinos destruídos desde 1948, a data da criação do Estado de Israel.
"Se Maria viajasse hoje de Nazaré a Belém, ela veria os problemas pelos quais passamos", diz Sami Nsir, dono do estabelecimento. "Ela iria se sentir mal ao ver que as pessoas não se importam com a causa palestina."
Dali, a reportagem toma a estrada rumo a Belém. No trajeto, o carro é flanqueado pelas montanhas do vale de Marj Ibn Amr, inesperadamente verde após a neve.
       
Editoria de Arte/Folhapress
 
ORIENTAÇÃO
Maria talvez se perdesse por ali. Não há placas indicando a cidade palestina de Jenin, assim como não há transporte público regular.
Ela também correria o risco de ter de encerrar sua viagem. O carro encontra o posto de controle de Gilboa fechado. Em contato com as Forças de Defesa de Israel, a reportagem descobre que o acesso de veículos está impedido devido a um embate entre Exército e palestinos.
A alternativa é contornar a Cisjordânia e procurar uma entrada aberta. A Folha chega a Rihan, também fechada, exceto para colonos. Mas, com a identificação de imprensa, indisponível a Maria, os portões são abertos, após 15 minutos de negociação.
A Maria fictícia chega então à cidade de Nablus.
Lá, o padre Johny Abu Khalil, do patriarcado latino, reclama: "Estou de saco cheio das permissões natalinas".
Sua paróquia tem 220 católicos. Todo ano, ele negocia com a administração israelense para que possam viajar a Jerusalém para o Natal.
"Israel quer que Jerusalém vire um museu e que a Igreja do Santo Sepulcro, onde Jesus morreu, seja a melhor discoteca do país", reclama.
Khalil não acredita que Maria tentaria ir a Belém hoje. Para ele, ela se contentaria com Jerusalém, se obtivesse uma permissão de viagem.
Na estrada para Jerusalém, o Sol se põe contra o carro, enquanto o rádio toca clássicos libaneses dos anos 80. Há um controle militar na saída de Nablus e outro na entrada de Jerusalém. Palestinos mostram os documentos e as autorizações aos soldados.
MURO
A entrada em Belém é feita pelo muro que separa Israel da Cisjordânia, hoje um mural para pichações e grafites, incluindo clássicos do britânico Banksy, como o que mostra uma garota revistando um soldado israelense.
A barreira fez murchar a loja de Claire Anastas, que vende artesanato diante da parede de concreto. Turistas desistiram de vir, afirma.
"Se Maria entrasse aqui, talvez não conseguisse sair", diz. Ela vende presépios com um muro no meio, em protesto.
O trajeto está quase no fim. A pé, teria levado dez dias. George Rashmawi, que organiza o caminho para peregrinos, afirma que é necessário desviar de assentamentos na Cisjordânia para evitar problemas com as autoridades israelenses. "A viagem fica mais longa", afirma.
Em uma loja diante da Igreja da Natividade, onde se crê que Jesus nasceu, Nadia Hazbun reclama do muro.
"É difícil para os turistas passar pelo muro, então eles não vêm. Na Europa, viajam pelo continente sem passaporte. Aqui, precisam passar pelas barreiras militares."
Ela dá de presente ao repórter um cartão natalino. Um papai Noel dando uma voadora na muralha que separa Israel da Cisjordânia.
"Maria nunca viria de Nazaré até Belém", diz. "Ela se recusaria a ver nosso povo em campos de refugiados."
               
Muhesen Amren/Folhapress
A palestina Claire Anastas mostra presépio diante do muro que separa a Cisjordânia de Israel
A palestina Claire Anastas mostra presépio diante do muro que separa a Cisjordânia de Israel

http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2013/12/1389878-folha-refaz-trajeto-que-maria-teria-percorrido-antes-do-nascimento-de-jesus.shtml

domingo, 12 de janeiro de 2014

EUA podem treinar forças de elite do Iraque na Jordânia

Ação seria forma de autoridades americanas ajudarem o premiê iraquiano a enfrentar ofensivas da Al-Qaeda

10 de janeiro de 2014
O Estado de S. Paulo
WASHINGTON - O governo dos Estados Unidos cogita oferecer um novo treinamento às forças de elite do Iraque, na Jordânia. Autoridades americanas buscam formas de ajudar o primeiro-ministro iraquiano, Nuri al-Maliki, a enfrentar ofensivas da Al-Qaeda.
Autoridades dos EUA disseram esta semana que Washington e Bagdá estão discutindo o treinamento das forças de elite iraquianas em um terceiro país, já que acordos previamente firmados impedem a atuação de militares americanos no Iraque.
"Há uma discussão sobre isso e a Jordânia está incluída nas discussões", disse uma fonte de defesa, sob anonimato. A Jordânia, que assim como o Iraque enfrenta as consequências da guerra civil na vizinha Síria, é um dos principais aliados dos EUA no Oriente Médio. O treinamento poderia ocorrer em um local particular próximo a Amã.
As autoridades dos EUA estão mais preocupadas com o Iraque nas últimas semanas, já que a Al-Qaeda demonstra uma presença cada vez maior na província de Anbar, no oeste - a partir de onde o Estado Islâmico do Iraque e do Levante, grupo afiliado à Al-Qaeda, tenta implantar um Estado religioso sunita que abranja o Iraque e a Síria.
Dois anos depois do presidente americano, Barack Obama, terminar de retirar suas forças do Iraque, a reação dos EUA à crescente tensão sectária no Iraque se limita a um relutante apoio a Maliki, um xiita cada vez mais confrontado com a minoria sunita. Há nos EUA um desejo generalizado de não envolver o país em mais uma guerra no Oriente Médio.
Os EUA já estão enviando mísseis Hellfire, aeronaves de vigilância e outros equipamentos que Maliki solicitou, mas ainda não forneceram os helicópteros de ataque que Bagdá quer.
Muitos parlamentares americanos consideram que Maliki tem tendências autoritárias e é excessivamente próximo do Irã./ REUTERS  

sábado, 30 de novembro de 2013

Irã, Síria, Obama e a base da nova diplomacia

29 de novembro de 2013
O sistema geopolítico que governa o mundo entrou há alguns meses em uma nova era. Uma formidável comoção embaralhou as cartas de uma ponta a outra do planeta. Ela abalou posições que se julgavam consolidadas e inamovíveis na Europa (Ucrânia, Rússia), na China, mas, sobretudo, no Oriente Médio.
Não é correto pensar que esse imenso alvoroço deveu-se exclusivamente à vontade de um homem ou de uma potência. Muitos indícios sugerem, contudo, que o presidente americano, Barack Obama, foi um dos atores dessa metamorfose.
Duas ações decisivas tiveram lugar nos últimos meses. A primeira é a fadiga da insurreição dos "rebeldes" na Síria, cada vez mais isolados pelas tropas de Bashar Assad que a cada dia marcam novos pontos. A segunda, a assinatura do acordo em Genebra entre o grupo P5+1 (os cinco membros permanentes do conselho de Segurança da ONU mais a Alemanha) e o Irã.
Nos dois casos, Obama esteve nas manobras. Relembrando: há poucos meses, os EUA estavam resolvidos a punir o tirano Assad, fornecendo mísseis Tomahawk aos insurgentes com esse fim. Obama chegou a arrastar a França para a ideia dessa cruzada anti-Assad e o secretário de Estado John Kerry fez o papel de incendiário.
De repente, quando explodiu a crise sobre as armas químicas usadas na Síria, tudo mudou: a questão não era mais a deposição de Assad. Washington acertou a questão dos arsenais químicos sírios em estreita cooperação com o presidente russo, Vladimir Putin, sem falar com os europeus ocidentais, que ficaram decepcionados (François Hollande em especial).
A grande revolta democrática da rua síria, tão enaltecida nos dois últimos anos por todos os poetas líricos da Europa e da América, saiu das primeiras páginas. A mudança americana sobre a síria é explicável. A rebelião síria está cada vez mais contaminada por jihadistas cujo fanatismo e obscurantismo são de assustar. Mas parece haver uma outra razão. E ela deve ser buscada na outra grande virada diplomática: o acordo assinado em Genebra com o Irã. Este acerto era uma das obsessões de Obama desde sua primeira eleição.
Não foi um acaso que as duas surpresas diplomáticas deste ano se produziram quase ao mesmo momento. De fato, o acordo com o Irã não poderia ter sido assinado se, ao mesmo tempo, os EUA tivessem lançado ataques aéreos contra as posições de Assad na Síria. Nesse caso, Teerã, que apoia o regime sírio, teria imediatamente rompido a discussão com Obama.
Nesses dois âmbitos, observa-se um outro ponto em comum: o estilo solitário e quase arrogante com que Obama conduziu o caso. Na Síria, ele mudou subitamente de curso abandonando a ideia de ataques contra Assad e resolvendo o problema das armas químicas apenas com Putin. No caso do Irã, ele fez os aliados europeus acreditarem que eles estavam juntos na empreitada, mas, uma vez assinado o acordo de Genebra, Washington deixou filtrar a verdade: as discussões entre Teerã e Washington sobre o arsenal iraniano vinham ocorrendo havia meses sem que Obama julgasse útil informar outros países a esse respeito. 
TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK - É CORRESPONDENTE EM PARIS

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Por que os aliados EUA e Israel divergem sobre o Irã?

21/11/2013
Guga Chacra, comentarista de política internacional do Estadão e do programa Globo News 
Os Estados Unidos e Israel são e continuarão sendo aliados. Mas, como todos os países do mundo, possuem seus próprios interesses. Na maior parte dos casos, americanos e israelenses estão do mesmo lado no Oriente Médio. Algumas vezes, porém, adotam posições divergentes. Foi assim, por exemplo, na Guerra do Sinai e, mais recentemente, na deposição de Hosni Mubarak no Egito. Aparentemente, o mesmo se repete agora em relação ao Irã.
Washington quer se distanciar do Oriente Médio neste momento. Primeiro porque há uma fadiga com a região depois da guerra do Iraque. Em segundo lugar, porque os EUA estão próximos da independência energética, sem precisar se preocupar tanto em agradar regimes como o da Arábia Saudita.
Por este motivo, o governo de Barack Obama busca uma solução para questões ainda pendentes na região. No Iraque, retirou as tropas. Na Síria, busca evitar um envolvimento direto. Falta ainda tentar uma solução para o conflito Israel-Palestina e para o Irã.
Não vou me aprofundar hoje no conflito Israel-Palestina. Vou manter o foco apenas no do Irã. Para os israelenses, o risco de um Irã nuclear, por menor que seja depois de um acordo, tem uma proporção muito maior do que para os americanos. Os EUA jamais seriam alvejados por uma bomba atômica iraniana. O regime de Teerã não teria capacidade de lançar um míssil ou uma operação contra o território americano. Nova York, Washington, Los Angeles, Detroit e Chicago estão a salvo. Já Israel, mesmo sendo mais poderoso, poderia sim ver o país ser destruído, com uma bomba arrasando Tel Aviv – noto que eu sigo a teoria da mútua destruição assegurada e não acho que o Irã atacaria Israel pois Teerã seria destruída minutos depois. Mas entendo quem discorda de mim.
Isso explica as posições distintas de ambos neste momento. Israel quer a eliminação total do programa nuclear iraniano para existir risco zero. Os EUA, avaliando que o risco zero é impossível, querem um regime com redução acentuada das atividades nucleares e a imposição de um mais intrusivo esquema de inspeções da Agência Internacional de Energia Atômica. Para os israelenses, isso não seria suficiente porque não “zera” a possibilidade de um Irã nuclear.

sábado, 10 de agosto de 2013

A pomba da paz, envenenada

Diogo Bercito é correspondente em Jerusalém

08/08/13
Caricatura mostra o premiê Binyamin Netanyahu envenenando a pomba da paz. Crédito Reprodução
Já tive a honra de ler os comentários dos leitores deste Orientalíssimo blog a respeito dos assuntos mais variados, da democracia no Oriente Médio ao movimento gay jerosolimita. Conversamos sobre linguística, sobre preconceito, sobre terrorismo e sobre um par de outras questões. Mas temos nos desviado, talvez por resistência ao atrito, de um dos assuntos mais importantes de toda a região –a paz.
Agora que as negociações foram retomadas entre palestinos e israelenses, sob intenso esforço diplomático do secretário de Estado americano John Kerry, voltamos a imaginar um Oriente Médio sem o conflito que fez deste país um dos lugares mais polêmicos do globo. Alguns de nós olham para o mapa-múndi e imaginam novas fronteiras traçadas, delimitando um futuro Estado palestino. Ao mesmo tempo, as fronteiras com Síria e Líbano finalmente reabertas –pela paz.
Como um estrangeiro na região, me dou o direito de ser otimista, de ler as notícias e de pensar que pode ser que eu tenha a honra de ser o correspondente a noticiar a assinatura dos acordos finais –de paz.
Os pessimistas, no entanto, parecem ser maioria. Como o negociador-chefe palestino Saeb Erekat me disse durante uma entrevista exclusiva (uma das únicas que ele deu, desde o início das negociações), não é de surpreender que as pessoas estejam céticas. Após vinte anos de conversas pós-acordos de Oslo, o que temos em solo são mais extremistas em ambos os lados –e não temos paz.
Mas é consenso também, ao mesmo tempo, que o contexto histórico está mudando. Enfraquecido em sua coalizão de direita, o premiê Binyamin Netanyahu pode se sentir, por exemplo, tentado a um acordo que marcaria sua gestão assim como ex-premiê Menachem Begin (1913-1992) ficou conhecido não pela mão dura, mas por ter negociado o acordo de Camp David com o Egito –recebendo, em 1978, um Nobel da Paz.
Além disso, Israel tem sofrido forte pressão da União Europeia, que parece disposta a aplicar na prática sua posição ideológica de repúdio à ocupação israelense dos territórios palestinos da Cisjordânia e de Jerusalém Oriental. Assim, os acordos assinados com Israel a partir de 2014 terão de registrar claramente que os termos não serão válidos para os assentamentos, pois a rigor não constituem território israelense. O bloco europeu insiste que quer –a paz.
É claro que toda a discussão a respeito de um futuro acordo entre árabes e palestinos é, de certa maneira, feito a partir de pouca informação e muita especulação. As negociações entre Saeb Erekat e Tzipi Livni, ministra da Justiça de Israel, serão feitas em sigilo durante os próximos meses. Mas eu gostaria de saber o que vocês pensam –sobre a paz.
Em tempo, explico a ilustração deste relato. É um desenho publicado pelo jornal alemão “Stuttgarter Zeitung” durante esta semana, mostrando o premiê Netanyahu envenenando a pomba da paz do Oriente médio. Na garrafa de veneno, está escrito “construção de assentamentos”. A embaixada israelense protestou contra o desenho e contra a ideia da morte –da paz.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

A descida da Síria ao inferno


O custo humano, moral e estratégico da tragédia é alto demais para os EUA; Obama deve apoiar diretamente a oposição

02 de janeiro de 2013
O Estado de S.Paulo
O ano de 2012 chegou ao fim e a Síria continua sua descida ao inferno. Pelo menos 40 mil pessoas - provavelmente muitas mais - perderam a vida no conflito e milhões de cidadãos foram obrigados a abandonar suas casas. Nos últimos 12 meses, o ditador Bashar Assad fez recurso, persistentemente, de um enorme poder de fogo com suas forças militares em resposta aos protestos que o povo sírio começara de maneira pacífica. Usando inicialmente, em fevereiro, tanques e artilharia pesada, o regime sírio promoveu ao longo do verão uma escalada nos ataques, com o uso de helicópteros, caças e, nas últimas semanas, mísseis Scud contra a própria população.
O mundo não conseguiu deter essa carnificina. O presidente Barack Obama declarou que o limite - a chamada "linha vermelha" - seria a utilização de armas químicas por Assad. Entretanto, para muitos sírios a linha vermelha fixada pelos Estados Unidos constituiu um sinal verde para o regime de Damasco usar todo seu arsenal de guerra e massacrar o povo impunemente. Muitas dessas armas continuam sendo fornecidas diretamente pelo Irã.
Apesar das advertências feitas pelos EUA, recentemente Assad deu os primeiros passos na preparação de armas químicas para usá-las contra seu povo. Pelo que já conhecemos do regime Assad - e considerando que ele promoveu uma escalada sistemática nesse conflito, com todas as outras armas dos seus arsenais - alguém acredita que esse homem é incapaz de usar armas químicas?
A descida da Síria ao inferno representa uma crescente ameaça para seus vizinhos. Turquia, Líbano, Iraque, Jordânia e Israel defrontam-se com um crescente risco de instabilidade. Quanto mais essa guerra se prolongar, maior o risco de que possa provocar um conflito sectário de dimensões muito mais amplas.
Há meses, nós insistimos que cabe aos EUA, juntamente com nossos aliados na Europa e no Oriente Médio, tomar medidas mais drásticas para deter a matança na Síria e prestar ajuda às forças moderadas da oposição. Especificamente, é preciso fornecer diretamente armas a determinados grupos rebeldes e estabelecer uma zona de exclusão aérea sobre parte da Síria.
Nenhuma das duas medidas exigiria que os EUA enviassem tropas para as zonas de conflito, tampouco que agissem sozinhos. Os principais aliados deixaram clara, reiteradas vezes, sua esperança numa liderança americana mais firme e sua frustração pelo fato de os EUA não optarem por uma ação mais contundente.
O mais perturbador é ver as condições humanas na Síria rapidamente se agravarem. Enquanto rejeita os apelos para o fornecimento de armas ou o estabelecimento de uma zona de exclusão aérea, o governo Obama enfatiza sua promessa de ajuda humanitária ao povo sírio. Entretanto, tememos que esses esforços também estejam fracassando.
Segundo representantes e especialistas americanos e europeus, 70% da assistência externa que está sendo enviada à Síria acaba sendo direcionada para áreas controladas pelo regime. Pessoas que estiveram recentemente em Alepo contaram que não viram nenhum sinal da ajuda americana naquela cidade, tampouco os habitantes tinham informações sobre a assistência americana. Consequentemente, no norte da Síria, controlado pela oposição, as pessoas estão morrendo de fome, de frio e de doenças em razão da escassez de alimentos, combustíveis e remédios.
Auxílio. O fato de a assistência humanitária americana não estar chegando ao povo sírio não só agravou a crise humana, como também criou oportunidades para grupos radicais oferecerem auxílio e, com isso, conseguirem maior apoio do povo sírio.
Para muitos, os extremistas parecem os únicos a se preocupar em ajudar os sírios na fuga. Ao mesmo tempo, os moderados da oposição síria são desacreditados e menosprezados diante da nossa falta de auxílio - incluindo a recém-criada Coalizão Nacional Síria, que integra grupos anti-Assad, foi possibilitada em parte pela diplomacia americana.
Embora as recentes deserções do regime e os revezes no campo de batalha indiquem que Assad já não consegue manter o poder, esse conflito poderá durar mais tempo, a um custo terrível e cada vez mais elevado para a população síria, para os vizinhos e para os interesses e o prestígio dos EUA. Não é tarde demais para evitar uma calamidade estratégica e moral no país, mas para isso é imprescindível uma liderança americana corajosa e decisiva que deve vir do presidente Obama.
Os EUA precisam, juntamente com seus aliados, canalizar a assistência diretamente ao conselho de oposição para que seja distribuída nas áreas que se encontram nas mãos dos rebeldes. Precisamos fornecer armamento e outros tipos de assistência ao comando militar da oposição. E devemos impor uma zona de exclusão aérea em algumas regiões do país, incluindo o uso de baterias de mísseis Patriot americanos na rota para a Turquia, com o objetivo de proteger o povo no norte da Síria dos ataques aéreos de Assad.
Se persistirmos no atual caminho, os futuros historiadores poderão considerar o massacre de civis inocentes e o consequente risco para os interesses nacionais e a moral dos EUA um vergonhoso fracasso da liderança do nosso país e um dos capítulos mais negros da nossa história. Essa deve ser uma preocupação para todos nós, enquanto oramos pela paz e pela boa vontade nesta época do ano. 
 TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA
http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,a-descida-da--siria-ao-inferno-,979702,0.htm

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Árabes criticam governo de Obama, mas preferem ele a Romney


Muitos na região creem que democrata não conseguiu cumprir promessa de nova abordagem do país

24 de outubro de 2012
Reuters
CAIRO - Muitos no Oriente Médio acreditam que Barack Obama não conseguiu cumprir as promessas de uma nova abordagem dos EUA na região, mas ainda preferem ele como presidente do que o rival republicano Mitt Romney, que eles veem como muito perto de Israel e muito interessado em projetar o poderio militar norte-americano.
Quem ganhar a eleição de 6 de novembro enfrentará um nó de questões regionais que não será fácil de desfazer. As potências mundiais estão divididas sobre o conflito na Síria, a disputa sobre as ambições nucleares do Irã continua e as negociações de paz entre palestinos e israelenses não estão indo a lugar algum. Para compor o desafio, o Oriente Médio é uma região onde percepções de uma influência menor dos EUA foram endurecidas por revoltas árabes que derrubaram ditadores que eram aliados de longa data dos EUA, colocando islâmicos em seu lugar.
"Eu sou um dos que está muito decepcionado com Obama", disse Hassan Nafaa, professor da Universidade do Cairo, onde o presidente dos EUA, em seus primeiros meses no cargo, falou de "um novo começo" entre os Estados Unidos e os muçulmanos. "Ele não cumpriu... Mas eu acho que ele é muito melhor do que Romney", acrescentou Nafaa, que ouviu o discurso no Cairo em junho de 2009. "Eu não aprecio de forma alguma a direita nos Estados Unidos, com a sua preferência para usar força militar extensiva."
Grande parte do Oriente Médio mudou dramaticamente durante o primeiro mandato de Obama. Mas as revoltas da "Primavera Árabe" que derrubaram autocratas na Tunísia, Egito, Iêmen e Líbia foram impulsionadas por movimentos de rua em vez de uma política dos EUA, ainda que aviões de guerra norte-americanos e europeus tenham auxiliado rebeldes líbios.
Alguns ativistas egípcios também criticam o governo Obama por ser lento demais em abraçar as mudanças. Mohamed Adel, porta-voz do movimento 6 de abril que esteve à frente da revolta de 2011 que derrubou Hosni Mubarak após 30 anos no poder, lembra que Obama não teve papel integral de apoio na revolução do Egito.
Comparações
Romney acusou Obama de ser um condutor fraco do poder dos EUA, prometendo, entre outras coisas, impulsionar a presença naval norte-americana no Oriente Médio. Ele também disse que seria um melhor amigo de Israel, uma nação que Obama não visitou no cargo. Esse tipo de linguagem aciona alarmes na região e gera comparações com as políticas do presidente George W. Bush, criticado por muitos árabes por liderar uma invasão do Iraque.
Enquanto os árabes assistiam ao último dos três debates presidenciais televisionados na segunda-feira à noite, um espectador, Ahmed Zaki, escreveu sobre Romney no Twitter dizendo: "Ele não difere muito de Bush". Mas ambos os candidatos decepcionaram o veterano negociador palestino Hanan Ashrawi durante o debate sobre política externa em que Israel foi citado mais de 30 vezes e os palestinos receberam menção apenas passageira. "Nós não vimos no debate nenhum sinal de que tem a espinha dorsal e a visão para trazer uma paz justa", disse Ashrawi, acrescentando que os candidatos estavam competindo sobre "quem é mais leal a Israel".

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Na ONU, Dilma defende medidas cambiais e critica governo sírio


25 de setembro de 2012 

Dilma abriu os discursos dos governantes na assembleia da ONU. Foto: AFP
Dilma abriu os discursos dos governantes na assembleia da ONU
Foto: AFP
Em seu segundo discurso na abertura do debate geral das Nações Unidas, a presidente Dilma Rousseff defendeu nesta terça-feira as medidas adotadas recentemente pelo Brasil para proteger a economia nacional dos importados e da crise europeia, ao mesmo tempo em que criticou a política econômica dos países desenvolvidos e comentou outros temas importantes da problemática mundial, como a antiga luta brasileira pela reforma do Conselho de Segurança da ONU, o embargo a Cuba e a crise no Oriente Médio. Sobre este último tema, Dilma posicionou o Brasil contra o governo da Síria mas rejeitou a possibilidade de intervenção militar, apresentando uma defesa de multilateralismo e de uma solução negociada que estimulou palmas dos delegados reunidos na sede da ONU, em Nova York.
O discurso da presidente manteve o histórico brasileiro de buscar soluções negociadas para conflitos militares e de defesa do multilateralismo nos órgãos mundiais, descrita por observadores mais críticos como uma política "em cima do muro". Desde 1947 que o Brasil faz o discurso de abertura dos debates gerais da ONU, numa tradição informal devido ao seu papel preponderante na fundação do órgão global. Dilma, que tem demonstrado uma energia tecnocrática com medidas inovadoras, como a redução histórica da fórmula de rendimento da poupança para liberar mais recursos para investimentos produtivos, proferiu seu discurso com a oratória morna conhecida pelos habituais ouvintes de seus pronunciamentos.
A ocasião também não contou com a carga histórica do ano passado, quando a então recém-empossada presidente do Brasil foi a primeira mulher a realizar o discurso de abertura dos debates gerais da ONU. Um delegado da África que pediu anonimato, devido à natureza delicada do seu trabalho diplomático, disse que houve menos palmas ao discurso de Dilma este ano do que em 2011, mas a presidente seguiu definindo bem o espírito multilateral usualmente esperado do Brasil. Na imprensa americana, a fala de Dilma foi virtualmente ignorada, com o noticiário se concentrando no sóbrio discurso do secretário-geral, Ban Ki-moon, que falou antes de Dilma, e na fala do presidente Barack Obama na Assembleia Geral e na conferência Clinton Global Initiative, organizada pelo ex-presidente Bill Clinton.
A situação econômica este ano - em que o Brasil já lançou várias medidas para combater a crise de confiança iniciada com o rebaixamento da nota de crédito dos Estados Unidos pela agência de classificação de risco Standard & Poor's, no meio do ano passado, e que, por sua vez, alimentou o aprofundamento da atual crise europeia -, foi um tema importante na fala da presidente. Dilma voltou a defender as medidas adotadas pelo Brasil para conter a entrada de produtos importados, como intervenções cambiais para reduzir a cotação do real perante o dólar. "Não podemos aceitar que iniciativas legítimas de defesa comercial por parte dos países em desenvolvimento sejam injustamente classificadas como protecionismo", disse Dilma, urgindo uma coordenação maior de organismos internacionais como o G20, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial para "reconfigurar a relação entre política fiscal e monetária", argumentando que o Brasil, segundo ela, sabe por experiência própria a impossibilidade de diminuir o endividamento soberano durante uma recessão.
"Meu País tem feito a sua parte", afirmou a presidente, alegando que o Brasil encontrou o equilíbrio entre austeridade fiscal e medidas de estímulo ao crescimento econômico, como os cortes recentes nas tarifas de energia para reduzir os custos de produção. "A história revela que a austeridade, quando exagerada e isolada do crescimento, derrota a si mesma", disse ela, numa possível referência ao problema enfrentado por países da periferia da Europa como a Grécia.
Oriente Médio 
Fazendo referência a "ressentimentos históricos" criados pelo período colonial e pelas intervenções pós-coloniais, Dilma apontou também a falta de oportunidades econômicas e democráticas de alguns países do Oriente Médio como um dos fatores por trás de levantes sangrentos como o da Síria. "Recai sobre o governo de Damasco a maior parte da responsabilidade pelo ciclo de violência ... mas sabemos também da responsabilidade das oposições armadas, especialmente daquelas que contam com apoio militar e logístico estrangeiro", afirmou a presidente, sem explicar quem são esses estrangeiros. Ela então lançou um apelo para as partes beligerantes abandonarem as armas e participarem das tentativas de negociação patrocinada pelo Representante Especial da ONU e a Liga Árabe.

Mostrando a posição ligeiramente antagônica do Brasil em relação aos EUA, Dilma falou primeiro contra o que descreveu como uma escalada de preconceito contra muçulmanos em países ocidentais, antes de citar o recente assassinato do embaixador americano na Líbia, afirmando que "com a mesma veemência repudiamos os atos de terrorismo" contra a representação americana. A onda de protestos e o filme de má qualidade que serviu de estopim para a fúria dos muçulmanos não foram citados, diferentemente do discurso de Obama, logo depois, que criticou diretamente o longa A Inocência dos Muçulmanos.
Após citar o que considera como conquistas da conferência de desenvolvimento da ONU realizada no meio do ano, a Rio+20, e também defender reformas no Conselho de Segurança (velha demanda brasileira) para incrementar o multilateralismo nos órgãos mundiais, Dilma pediu o fim do embargo econômico a Cuba, afirmando que o país "tem avançado na atualização de seu modelo econômico" mas que precisa da ajuda de parceiros "próximos e distantes" para progredir, bem como o fim do embargo. Para Dilma, "é chegada a hora de por um fim a esse anacronismo, condenado pela imensa maioria dos países das Nações Unidas".