terça-feira, 13 de março de 2012

O trânsito sem lei de Teerã

13/03/12
POR SAMY ADGHIRNI

Se você acha difícil dirigir em São Paulo, Salvador ou no Rio de Janeiro, é porque não conhece Teerã. O trânsito da capital iraniana dá vertigem de tão infernal. Isso se deve, na minha humilde leitura, a dois fatores fundamentais: anarquia generalizada e lentidão causada pelo desesperador excesso de veículos.

A circulação parece norteada por uma única regra: preferência para quem entrou primeiro. Como as faixas de circulação não existem, motoristas vão avançando nas ruas em função dos espaços que se criam na medida em que os veículos se deslocam. Se o motorista da frente estiver parado, o certo por aqui é jogar o volante para o lado onde couber a dianteira do meu carro.

A mesma regra vale para as preferências nos balões e retornos. Quem entrar primeiro tem prioridade, e fim de papo. O pisca-alerta quase sempre está desligado. Mesmo acionado, teria pouca utilidade diante das constantes manobras bruscas de uns e de outros. Quase todos os faróis têm painel eletrônico com contagem regressiva. Uns são respeitados e outros, ignorados sem culpa. As mãos de circulação são respeitadas apenas nas vias principais, onde o volume de carros é tamanho que ninguém se atreveria a navegar no contrafluxo. Mas quanto menor a via, maior o caos. As placas de sentido proibido parecem sevir apenas para enfeite. Pior mesmo são as motos, que circulam até nas calçadas e corredores de ônibus.

Bate-bocas são frequentes, mas só uma vez vi uma briga, dois homens trocando socos no meio de um cruzamento, com seus carros parados e com as portas abertas, atrapalhando todo mundo.

O que mais me impressiona é a quantidade relativamente baixa de acidentes e atropelamentos que presenciei nas ruas de Teerã. E olha que passo os dias batendo perna por aí.

Motoristas não respeitam a sinalização em Teerã (Vahid Salemi - 25.fev.12/AP)

A ruazinha Zinat Alley, onde moro, situada numa área residencial ao norte de Teerã, traduz em microescala o espírito que reina no trânsito de Teerã. A via é uma descida íngreme e muito estreita, pode onde mal passa um carro. Até hoje não entendi qual é a mão da Zinat Alley. Moradores estacionam de qualquer jeito nos dois lados da rua, que sequer tem acostamento. Imaginem o que acontece quando dois motoristas em sentido oposto se encontram na ladeira estreita sem mão definida. Se algum cavalheiro ao volante fizer a gentileza de recuar para dar preferência à moçoila que vem no sentido contrário, ele terá de suar frio para subir de ré a apertada ladeira _e rezar para que nenhum outro carro apareça no caminho. Em dias de neve, como ontem, surge o agravante do gelo no asfalto.

Filósofos de plantão dizem que o trânsito é maluco desse jeito porque os iranianos o utilizam para extravasar as várias restrições em suas vidas, transformando carros e ruas num espaço de liberdade individual sem limite.

Os iranianos de fato não parecem se incomodar com essa confusão surpreendentemente silenciosa, com pouquíssimo uso das buzinas.

O que incomoda mesmo são os engarrafamentos a toda hora e em todo lugar. Quando para a avenida Valiasr, a artéria que corta Teerã de sul a norte, motoristas simplesmente desligam o motor. Há vias expressas, viadutos e túneis, mas tudo fica impraticável a partir das 16h. Cansei de ficar preso no trânsito, sentado no banco do carona de algum taxista que insiste em puxar papo apesar de eu saber pouco mais de três frases em farsi. Para (tentar) relaxar nessas horas, costumo ficar olhando para as enevoadas montanhas Alborz que dominam Teerã. Quando o tempo permite, abro a janela do carro, sem me preocupar com assaltos ou arrastões, coisas inexistentes por estas bandas.

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