domingo, 7 de julho de 2013

PROTESTOS BRASILEIROS VISTOS DO IRÃ

01/07/13
POR SAMY ADGHIRNI  -  Um brasileiro no Irã - correspondente em Teerã

Assim que entrei no carro, o taxista do ponto perto de casa, velho conhecido, lançou: “o que está acontecendo no Brasil? Por que as pessoas estão tão irritadas?”. Por mais que eu me esforce, lendo jornais brasileiros e selecionando postagens de amigos no Facebook para acompanhar diariamente os protestos e consequente crise política, a distância dificulta o entendimento. “É a economia? Vocês também estão em crise, como a gente?”, questionou o taxista. “Não é bem isso, a questão é mais complicada”, respondi, em meio a outras platitudes. Cheguei ao meu destino um tanto envergonhado por não ter conseguido explicar direito.
Na academia de musculação da minha vizinhança, todo mundo parava quando a TV de tela plana cravada sobre a parede de espelhos mostrava imagens do quebra pau nas grandes cidades brasileiras em meio à Copa das Confederações. Foi um tanto surreal ver as torres do Congresso Nacional e o uniforme azul claro da Polícia Militar de Brasília, cidade de onde venho, enquanto eu fazia esteira do outro lado do mundo, literalmente.
Politizados por natureza e ávidos consumidores de notícia, os iranianos se interessam pelos protestos brasileiros, ainda mais depois que a seleção iraniana se classificou para a Copa do Mundo. O tema acaba surgindo em quase todos os contatos entre pessoas dos dois países, dos meios diplomáticos aos comerciais.
No único pronunciamento oficial de Teerã até agora, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Abbas Araghchi, disse o seguinte: “Esperamos que surja o mais rápido possível uma solução aos conflitos e lutas dentro do Brasil para que possamos observar uma gloriosa Copa do Mundo com a participação da seleção iraniana”.
A imprensa local vem dando grande destaque aos acontecimentos. O jornal reformista “Bahar” publicou na semana passada longa matéria analítica com o título “Um carnaval de protestos no Brasil”, no qual explica que o país que sempre foi conhecido pela alegria agora ficou famoso pela violência policial. O texto também rejeita a tese do premiê turco, Recep Tayyip Erdogan, que relacionou protestos na Turquia e no Brasil, dizendo que ambos têm a mesma essência e são parte de um complô internacional.
“A acusação de Erdogan de que os manifestantes são ligados a estrangeiros é absurda e sem sentido. Já Dilma Rousseff demonstra ter bom entendimento da natureza dos protestos, se esforça para corrigir e melhorar os efeitos negativos do governo. Ao contrário da Turquia, líderes do movimento, partidos oposicionistas, jornalistas, ativistas online e manifestantes no Brasil não foram acusados de traição nacional, e o governo não conduziu uma repressão generalizada dos protestos”, diz a matéria. O texto afirma ainda que o premiê turco chama manifestantes de “terroristas” enquanto a presidente brasileira se dirige a eles com respeito e considera legítimas suas exigências.
Um dos mais conhecidos jornalistas internacionais iranianos, o conservador Mohammad Hoseyn Jafarian, também dissertou sobre o suposto paralelo entre Brasil e Turquia. “Um mesmo problema, duas abordagens distintas. Rousseff ouve os manifestantes e promete reformas, enquanto Erdogan segue uma [estratégia] combativa que lhe fará perder muito apoio”, diagnostica.

Já o site Iran Diplomacy, plataforma online de reflexão sobre questões globais, atribui a onda de revolta aos persistentes contrastes sociais no Brasil. “Apesar de todas as conquistas por parte do governo esquerdista na última década, que contribuiu para a ascensão de milhões de pessoas da pobreza à classe média e transformou o Brasil numa potência econômica global, o país ainda enfrenta muitos problemas, sendo a desigualdade o maior de todos”, escreveu o analista Davoud Rezaei Eskandary. Ele aponta a má qualidade do ensino, especialmente no primário e as carências de saneamento básico e infraestrutura como “falhas do sistema” brasileiro. O texto lembra que uma avaliação feita em 2009 pela OCDE para medir o nível de estudantes de vários países em ciência e matemática deixou o Brasil entre as últimas posições.

Bem informado por já ter servido como diplomata em Brasília, Eskandary também aborda o absurdo custo da vida no Brasil. “O país se tornou um dos mais caros do mundo. Alguns produtos custam mais caro no Brasil do que na Europa ou nos EUA. Muita gente não tem acesso a esses produtos, outros só conseguem obtê-los por meio de crédito com altas taxas de juros”.

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