quinta-feira, 18 de setembro de 2014

ENTENDA O PLEBISCITO SOBRE A INDEPENDÊNCIA DA ESCÓCIA

18/09/2014 00h00 - ATUALIZADA EM: 18/09/2014 00h04 - POR MARCELA BOURROUL E BARBARA BIGARELLI

POR QUE O PAÍS QUER SE SEPARAR DO REINO UNIDO E O QUE ELE TERÁ QUE RESOLVER CASO A POPULAÇÃO VOTE "SIM" PELA INDEPENDÊNCIA

Escoceses a favor do "sim" no último dia de campanha, em Glasgow (Foto: Getty Images)
ESCOCESES A FAVOR DO "SIM" NO ÚLTIMO DIA DE CAMPANHA, EM GLASGOW (FOTO: GETTY IMAGES)

Nesta quinta-feira (18/09), a Escócia decidirá se continuará parte do Reino Unido ou se será um país independente. A realização do plebiscito está definida desde 2012, quando o primeiro-ministro escocês, Alex Salmond, e o primeiro-ministro britânico, David Cameron, entraram em um acordo para realizar a consulta à população.
O plebiscito já estava na pauta, mas a discussão esquentou mesmo quando o “sim” à independência começou a crescer nas pesquisas. No início de setembro, os votos contrários e a favor estavam tecnicamente empatados. A pesquisa mais recente mostra o “não” vencendo, mas por uma margem muito pequena.

O assunto parece um pouco distante para os brasileiros, mas caso a independência se confirme ela poderá ter um grande impacto na política e economia mundial. A começar pela configuração do Reino Unido e da União Europeia. Entenda o contexto do plebiscito e o que pode mudar.
Histórico
A história da Escócia com a Inglaterra não é das mais pacíficas. O território de 78 mil quilômetros quadrados, menor do que o estado de Santa Catarina, foi palco de várias guerras, parte delas contra os ingleses.
Em 1707, no entanto, os dois países uniram-se pelo Act of Union. O fato de fazer parte do Reino Unido não impediu que a Escócia mantivesse sua cultura particular. Em relação à política, os escoceses sempre tiveram uma tendência mais à esquerda do que os ingleses. Atualmente, no Parlamento britânico, dos 59 escoceses, apenas um é conservador.
Segundo a professora do departamento de Relações Internacionais da PUC-SP, Natália Maria Félix de Souza, a guinada neoliberal que Margareth Thatcher impôs ao Reino Unido na década de 1980 incomodou os escoceses, assim como o conservadorismo de Cameron, atual primeiro-ministro.
Isto é, a Escócia em geral é a favor de um Estado forte, de uma ampla rede de segurança social e contra a austeridade fiscal que boa parte da Europa adotou após a crise de 2008.
Faz alguns anos que o país está brigando por mais autonomia. Em 1997, por exemplo, ele conseguiu restituir um Parlamento independente, que havia sido extinto 300 anos antes. Apesar de ter ganhado mais independência para decidir sobre algumas questões, a parte fiscal ainda é centralizada pelo Parlamento britânico – ou seja, a decisão sobre onde e quanto gastar é do Reino Unido, não da Escócia.
Quem está na briga
Os porta-vozes que ficaram mais em evidência foram Alex Salmond, líder do Partido Nacional Escocês e defensor do “sim”, e Alistair Darling, político defensor do “não”. Eles se enfrentaram em debates transmitidos pela televisão.
O Reino Unido não deseja a separação. Em um comunicado assinado por três líderes políticos britânicos, incluindo David Cameron, dizia-se: “Há muitas coisas que nos dividem - mas há uma coisa sobre a qual concordamos: o Reino Unido é melhor com todos juntos”. 
Caso a independência seja a opção dos escoceses, Cameron pode deixar o cargo. Para alguns analistas, ele poderia se ver obrigado a renunciar. O primeiro-ministro garante que isso não acontecerá. "Meu nome não está na cédula. O que está na cédula de votação é se a Escócia quer ficar no Reino Unido ou a Escócia quer se separar do Reino Unido", afirmou.
Economia
A maior polêmica sobre a separação envolve dinheiro. Os pró-independência afirmam que seria possível a Escócia se manter com a receita do petróleo do Mar do Norte. Os ganhos deixariam de ser divididos entre o Reino Unido. Segundo matéria publicada no Financial Times, a Escócia poderia  figurar entre as 35 maiores exportadoras de petróleo e uísque, por exemplo, e criar um sistema financeiro mais saudável.
Os críticos, por outro lado, dizem que seria muito arriscado depender de apenas uma grande fonte de renda cujas reservas são finitas. Além disso, o mercado de petróleo não é exatamente estável e o preço do produto varia conforme o cenário econômico e político. O Tesouro Britânico estima ainda que o custo para a Escócia se separar seria de 1,5 bilhão de libras, gasto que envolve estabelecer um novo governo federal, serviços públicos nacionais, agências regulatórias e representações diplomáticas. Estima-se que o Reino Unido perca pouco mais de 9% do PIB com a saída da Escócia.
Outra polêmica é em relação à moeda. Salmond insiste em manter a libra, mas com a separação do Reino Unido não haveria mais uma união monetária. Ou seja, como manter a moeda sem controle sobre a política monetária? E em caso de crise? Outra possibilidade, também cercada de dúvidas, seria a adoção do euro. Mas ainda não se sabe como ficaria uma Escócia independente na União Europeia (veja abaixo). Por fim, há a proposta de criar uma moeda própria.
Por conta dessa insegurança, o mercado financeiro reagiu. A libra esterlina se desvalorizou e algumas empresas ameaçaram se mudar para a Inglaterra caso a população vote pela independência.
Questões diplomáticas
Nesse campo, há três principais questões, segundo Natália de Souza. A primeira delas é a situação da Escócia na União Europeia. Os escoceses se baseiam no artigo 48 do tratado europeu para dizer que seria possível negociar sua manutenção. Já quem se opõe à independência afirma que eles teriam que se candidatar e passar por um processo normal - e longo - de adesão. Essa questão está em aberto.
Outra dúvida é em relação aos armamentos nucleares britânicos. Quatro submarinos ficam estacionados em uma base naval escocesa e Salmond já avisou que caso a Escócia se torne independente não vai mais mantê-los em seu território. Isso significaria custo e tempo para a Inglaterra construir outra base marítima e transferir os equipamentos.
Por fim, há a questão das fronteiras. A Escócia é um país com a população envelhecida que tende a incentivar a imigração. Se o país for rapidamente aceito na União Europeia e passar a fazer parte do Acordo de Schengen (convenção que permite a livre circulação de pessoas, do qual o Reino Unido não faz parte), pode ser que se crie um conflito com a Inglaterra.
E então?
De acordo com Natália, ainda é tudo muito incerto em relação ao que acontecerá se a Escócia se tornar independente nesta quinta-feira. No entanto, o país sairá ganhando não importa o que aconteça. Isso porque, em uma tentativa de controlar o avanço do “sim”, políticos britânicos se comprometeram a abrir novas negociações para ampliar a autonomia da Escócia. Se o “não” ganhar, é possível que haja avanços nas negociações entre as duas partes.
Se o “sim” vencer, a Escócia não acordará na sexta-feira com a obrigação de responder a todas essas dúvidas que pairam sobre a independência. Há um período de transição de cerca de um ano e meio previsto para acomodar essa mudança. A independência seria oficialmente declarada em 24 de março de 2016.

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