quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Desigualdade

08/10/2013
Benjamin Steinbruch 

Em julho, muita gente se surpreendeu com os dados divulgados pelo Pnund (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento). Em duas décadas, entre 1991 e 2010, o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal no Brasil cresceu 47%. De uma média de 0,493 em 1991, considerada "muito baixa" para os padrões mundiais, o índice passou para 0,727 em 2010, considerada "alta".
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é calculado levando em conta três indicadores --longevidade, educação e renda da população-- e varia de zero a um. Quanto mais próximo de um, maior é o desenvolvimento. Com esse índice, o Brasil ainda está longe de se alinhar a países mais avançados em matéria de desenvolvimento humano, mas se coloca entre os 15 que mais conseguiram crescer nessa área.
Os dados e as análises feitas logo após a divulgação do Pnud mostram que a educação foi o quesito que mais melhorou no país nesses vinte anos, puxado por índices quantitativos, principalmente o aumento do número de crianças e jovens nas escolas. Entre 1991 e 2010, os brasileiros adultos com o ensino fundamental completo passaram de 30,1% para 54,9% da população. Entre as crianças de cinco a seis anos, a parcela daquelas que frequentavam a escola aumentou de 37,3% para 91,1%.
Sabemos das enormes deficiências de qualidade do ensino fundamental, principalmente nas escolas públicas, mas a discussão dessa questão não é objetivo deste artigo.
É claro que os programas sociais das duas últimas décadas e os investimentos em educação tiveram impacto importante para esse avanço no IDH. Não podem ser desprezados também os efeitos da vinculação obrigatória de gastos públicos em educação e saúde determinada pela Constituição de 1988, que completou 25 anos no sábado e é normalmente lembrada mais pelos desacertos que pelas qualidades.
Há, porém, outro fator importante, pouco citado, o do aumento da renda das populações mais pobres. Dados do Pnad (Programa Nacional por Amostra de Domicílios) publicados na semana passada mostram que essa tendência se mantém: em 2012, a renda dos 10% mais pobres cresceu 14%.
Algumas vezes defendi neste espaço, anos atrás, a necessidade de se elevar substancialmente o salário mínimo. O principal empecilho para esse aumento sempre foi o impacto que a medida teria para o setor público, principalmente para os cofres da Previdência. Mesmo sem que tenha sido encontrada uma fórmula para evitar esse impacto, o fato é que finalmente o salário mínimo teve uma forte elevação de seu valor real desde o início do século.
Quem acompanhou os dramáticos momentos da economia brasileira no início dos anos 1990 certamente se lembra: uma das ambições nacionais, reivindicação recorrente das entidades representativas dos trabalhadores, era a elevação do salário mínimo para o equivalente a US$ 100, valor incluído como promessa em alguns programas de governo de candidatos à Presidência.
Políticos que prometeram elevar o mínimo para US$ 100 ficariam corados se observassem o que ocorreu com esse salário nos últimos 13 anos. Desde 2001, o mínimo teve valorização de 290% em dólar, passando de US$ 77 para os aproximados US$ 300 atuais. Essa valorização ocorreu não apenas por efeitos cambiais, como o fortalecimento do real em relação ao dólar. Em reais, o aumento nos 13 anos foi de 349%, período em que a inflação brasileira acumulada atingiu 121%.
É certo que o aumento real do mínimo elevou o custo unitário do trabalho na economia, com impacto negativo na competitividade do país. Mas é certo também que teve extraordinário efeito para o consumo, melhorou a distribuição da renda e colaborou para o avanço dos índices de desenvolvimento humano.
A redução da desigualdade no país vem ocorrendo de forma sistemática. Em 2012, o índice Gini caiu para 0,498, pela primeira vez abaixo de 0,500 --esse indicador varia de zero a um e, quanto mais próximo de um, maior é a desigualdade.
Os ganhos reais do salário mínimo, portanto, a despeito de seus impactos nas contas da Previdência e na competitividade do país, precisam ser preservados.

Benjamin Steinbruch é empresário, diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração e 1º vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo). Escreve às terças, a cada duas semanas, no caderno 'Mercado'.

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