quarta-feira, 10 de abril de 2013

Tensão na Coreia

                                                                               Kim Jae-Hwan - 10.abr.13/AFP

Guardas sul-coreanos durante ato no Museu da Guerra, em Seul

A ideia de que a Coreia do Norte conta com qualquer autonomia em suas relações externas e, como um filho pródigo, estaria indo além do que a China deseja é bem mais que ridícula. As reprimendas e reprovações chinesa são mais graves que isso: representam uma farsa insultuosa. A Coreia do Norte é o cão de ataque da China. A coleira são as armas, combustível e comida que atravessam a fronteira. A China detém controle absoluto sobre o Norte desde o dia em que suas tropas viraram a maré da guerra da Coreia ao lançar ataques de infantaria contra as forças da ONU, em novembro de 1950.
A China tem a capacidade de colocar quem quer que deseje no poder em Pyongyang. O feroz cão de ataque norte-coreano tem presas aguçadas: um Exército com mais de 1 milhão de combatentes. Pode latir, mostrar os dentes e até mordiscar os calcanhares do dono, mas ambos sabem quem manda.
A Coreia do Norte não pode nem mesmo ser entendida como um regime cliente de Pequim; ela é mais parecida com uma região autônoma especial na qual armas nucleares e campos de concentração substituem os arranha-céus e o Estado de Direito.
O problema não está na liderança do Norte --que é em última análise racional, e prioriza a autopreservação e expansão de seus poderes--, mas em seus asseclas das Forças Armadas, hoje mais que nunca divididos em facções.
"Lavagem cerebral" é um termo que data da guerra da Coreia. A população do Norte não é apenas dócil: está paralisada de terror.
A tripulação de um submarino norte-coreano que encalhou em águas do sul em 1996 executou 11 de seus membros por incompetência antes de tentar fugir em direção da zona desmilitarizada. Apenas dois dos tripulantes sobreviveram. É perfeitamente possível para uma pessoa lobotomizada pelo culto à personalidade do líder apertar um botão que de outra forma jamais apertaria.
A Coreia do Norte naturalmente tem alguma agenda independente da agenda chinesa. Forçar uma situação como a atual consolida o domínio do jovem líder Kim Jong-un sobre o Exército.
Como um sapo que incha, sua atitude o faz parecer maior no cenário mundial. O desejo de receber um telefonema pessoal de Barack Obama seria pueril se as consequências não fossem tão letais. Além disso, Kim acredita que, como no passado, fazer pirraça resultará em um relaxamento das sanções e pode trazer uma retomada da assistência.
A maioria dos sul-coreanos continua relativamente despreocupada. No Japão é diferente: o público está genuinamente ansioso. O país já sofreu três desastres militares --dois em guerra e um terceiro em tempo de paz. Os japoneses não combateram na guerra da Coreia, mas civis japoneses foram sequestrados em suas ruas e casas por norte-coreanos e passaram décadas aprisionados na Coreia do Norte. Para o Japão, Kim é uma ameaça real.
Mas ele precisa tomar cuidado para não se queimar. Perceber o Japão como uma vítima fácil, em termos diplomáticos e militares, seria um erro catastrófico. As forças de autodefesa do Japão, e especialmente sua marinha e guarda-costeira --cujos marujos, trajando uniformes contra o fogo, não hesitaram em afundar a tiros de canhão uma embarcação espiã norte-coreana, em 2001--, representam um obstáculo formidável.
O Japão acumulou plutônio suficiente para produzir um número de bombas nucleares semelhante ao detido pela China. O público japonês genuinamente abomina as armas nucleares, e a constituição do país proíbe sua presença em território nipônico. Mesmo assim, caso o Japão já não disponha de um arsenal de bombas de hidrogênio, poderia criá-lo rapidamente.
Excluída a possibilidade de um desastre --que sempre pode acontecer quando crianças brincam com fogos de artifício--, uma guerra real está fora de questão.
O que temos agora, basicamente, é uma barganha feroz em um mercado asiático de produtos eletrônicos piratas. O Japão quer a maior fatia possível das ilhas Diaoyu; o Japão quer ceder o mínimo possível. No fim, o Japão estará disposto a servir como segundo violino diante da China, como fez com relação aos EUA por meio século; e os norte-americanos serão acomodados por meio de acordos de serviço lucrativos para empresas como a Haliburton.
Quanto aos depósitos de petróleo no Mar do Sul da China, os EUA têm um péssimo histórico no que tange à lealdade para com aliados derrotados. Filipinas, Taiwan e Malásia certamente seriam abandonadas caso a China ocupe um campo pela força bruta.
O chamado "pivô para o Pacífico" não tem como funcionar: a disputa acontece no quintal da China. A implicação é que quanto mais o Ocidente se provar moderado e conciliador sobre a disputa de títeres e ensaio de guerra em curso no Extremo Oriente, tanto mais poderá justificar medidas extremas contra o Irã. E é isso que deveria nos preocupar.
Nota: O mais recente romance de Timothy Mo é "Pure"
Tradução de PAULO MIGLIACCI

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