sábado, 14 de julho de 2012

INDIANAS LUTAM POR MAIS BANHEIROS

Por JIM YARDLEY


New York Times-      São Paulo, segunda-feira, 09 de julho de 2012  


MUMBAI, Índia - Homens e mulheres nesta metrópole com cerca de 20 milhões de habitantes, a maior cidade da Índia, parecem unidos por ao menos uma miséria em comum: gente demais dividindo banheiros de menos.
Mas há uma diferença -ao contrário dos homens, as mulheres com frequência precisam pagar para urinar. Por isso, há meses ativistas como Minu Gandhi mobilizam a cidade argumentando que essa disparidade é uma forma de discriminação e pedindo às mulheres que lutem por um direito que a maioria nunca pensou que existisse: o direito ao xixi.
"Sentimos que esse é um direito civil básico, um direito humano", disse Gandhi.
Dados recentes do censo mostram que mais de metade dos lares indianos não tem banheiro, índice que na verdade piorou na última década, por causa da expansão das favelas e de outras formas precárias de moradia urbana, apesar do crescimento econômico da Índia.
Nas aldeias, homens e mulheres costumam urinar ao ar livre, nos campos. Mas elas às vezes enfrentam insultos e até violência sexual. Muitas camponesas urinam em pequenos grupos, antes do alvorecer, para se protegerem do assédio.
Em Mumbai (ex-Bombaim), milhões de pessoas dependem de sanitários públicos, geralmente escuros e sujos. A prefeitura oferece 5.993 banheiros públicos masculinos e apenas 3.536 femininos. Os homens têm à disposição ainda 2.466 mictórios. Em Nova Déli, um estudo de 2009 apontou um desequilíbrio ainda maior, com 1.534 banheiros públicos masculinos e 132 femininos.
Quase sempre, um zelador homem cuida desses banheiros, cobrando ingresso. A pequena corrupção é disseminada na Índia e os banheiros públicos não são exceção: os homens precisam pagar para usar o banheiro, mas os mictórios são gratuitos (porque esses lugares, geralmente uma parede com uma vala de drenagem, não precisam de água). Já as mulheres regularmente têm de pagar para urinar, apesar de regulamentos em contrário.
"Mesmo que você diga que está só urinando, eles dizem: 'Como vamos saber?'", disse Yagna Parmar, outra ativista envolvida na campanha.
Na favela Shivaji Nagar, pelo menos 350 mil pessoas -ou talvez até o dobro disso- vivem ao lado de um dos maiores lixões da cidade. O número exato de banheiros públicos é desconhecido, mas estima-se que não haja mais do que um para cada 300 pessoas. As mulheres precisam adaptar seu cotidiano a isso e muitas vão ao banheiro bem cedo para evitar filas e olhares indiscretos. Elas evitam beber muita água. E andam com trocados.
Um miniescândalo pipocou em Nova Déli no mês passado por causa dos cerca de US$ 54 mil gastos pela Comissão de Planejamento da Índia para reformas em seus banheiros.
A campanha começou no ano passado, numa reunião de ativistas de todo o Estado de Maharashtra, onde fica Mumbai. "Inicialmente, isso foi considerado um pouco frívolo", disse Mumtaz Sheikh, uma das organizadoras. "Mas dissemos às pessoas: 'Não, essa é uma questão importante e queremos trabalhar nela'."
As mulheres constituem atualmente quase metade da força de trabalho da cidade, mas muitas delas labutam em locais sem acesso a um banheiro. As ativistas já reuniram mais de 50 mil adesões em um abaixo-assinado para que o governo local pare de cobrar das usuárias que vão urinar, construa mais banheiros, mantenha-os limpos, ofereça papel e lata de lixo e contrate zeladoras mulheres.
A médica e pesquisadora Kamaxi Bhati vinculou a situação dos banheiros em Mumbai diretamente aos problemas de saúde femininos, especialmente à alta incidência de infecções de bexiga e do trato urinário. Bhati disse que beber água é vital para evitar tais infecções, mas que muitas mulheres tentam reduzir seu consumo para limitar as idas ao banheiro. Não beber água suficiente é ainda mais perigoso em Mumbai, onde as temperaturas podem chegar a cerca de 40°C.
"É responsabilidade do governo oferecer banheiros", disse ela. "Suponha que meu filho esteja com diarreia. O que eu faço se não puder pagar?"
As autoridades aceitaram divulgar estatísticas sobre o número de banheiros públicos na cidade, mas não quiseram comentar o assunto.
A tarifa dos banheiros pode ser considerada simbólica, entre 2 e 5 rupias (US$ 0,04 a US$ 0,09). Mas a linha de pobreza é tão baixa que o governo recentemente definiu como pobres urbanos aqueles que vivem com menos de 29 rupias por dia.
"É caro para mim", disse Shubhangi Gamre. Ela mora em Shivaji Nagar e ganha cerca de US$ 27 por mês trabalhando numa pequena drogaria. "Isso ameaça nosso dinheiro da comida. Como podemos pagar tudo?"
No mês passado, ativistas se reuniram com autoridades municipais que lhes apresentaram planos para a construção de centenas de banheiros públicos femininos na cidade toda. Alguns legisladores locais agora prometem construir banheiros para mulheres em cada um dos seus distritos.
"É claro que é uma sensação boa", disse Supriya Sonar, integrante da campanha, dizendo que o grupo do direito ao xixi está sendo pressionando para que mulheres sejam contratadas nos projetos propostos. "Nosso trabalho real começa agora."

Sruthi Gottipati colaborou com reportagem

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