quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Brasil: o G1 da biodiversidade

Por Mônica Pileggi
Foto de Kiko Ferrite

Maria Cecília Wey de Brito

"O país, no curto prazo, pode vir a ser um dos poucos a dizer ao mundo que é capaz de crescer economicamente com uma taxa preservada de vegetação nativa"


No Ano Internacional da Biodiversidade, o mundo olha para o Brasil. O país detém 70% da fauna e da flora já catalogadas e, creem os cientistas, abriga 20% da diversidade biológica do planeta. Nenhuma nação tem tantas espécies endêmicas. Até pouco tempo atrás, a responsável por esse ativo ambiental era Maria Cecília Wey de Brito. Engenheira-agrônoma com especialização em ciência ambiental, ela assumiu a Secretaria de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente, em maio de 2007, cargo que entregou em setembro passado. Ambientalista com passagem por ONGs e agências internacionais, ela faz a seguir um balanço da biodiversidade do Brasil, na ocasião em que o país apresentou suas metas para a questão na COP 10, em Nagoya, no Japão, em outubro.


Como o Brasil pode capitalizar, na política e na economia, o fato de ser campeão mundial de biodiversidade?

Essa questão deve ser pensada para um futuro próximo, dentro de cinco ou dez anos. No passado recente, pouco foi feito para capitalizar a biodiversidade no país. Porém, no curto prazo, o Brasil pode vir a ser um dos poucos países - se não o único - a dizer ao mundo que é capaz de crescer economicamente, de se desenvolver, com uma considerável taxa preservada de vegetação nativa. Outros não conseguirão fazer isso. Qual a diferença a nosso favor? O Brasil, além de ser campeão em biodiversidade, possui grande força de trabalho e um mercado consumidor enorme, com padrões muito próximos aos das nações desenvolvidas.

Estamos em posição privilegiada. Por ser um país com tamanha diversidade natural, a responsabilidade do Brasil é maior?

Somos uma força importante na discussão do regime internacional de acesso a recursos genéticos - plantas, animais ou micro-organismos. Também exercemos influência decisiva na questão do aporte de recursos financeiros, em relação a metas e indicadores específicos para a entrada de novos recursos que possam financiar a conservação da biodiversidade. Na verdade, todo o grupo de 17 países megadiversos influencia bastante nesse debate e tem sido eloquente nas negociações do regime internacional de acesso a recursos genéticos. Esse regime, que ainda não foi definido, serviria como ambiente regulatório para que a repartição de benefícios advindos desses recursos se dê com transparência.

As metas sobre biodiversidade discutidas no COP 10, em Nagoya, no Japão, são tangíveis ao Brasil?

São, à medida que a proposta não é cessar com toda a perda de biodiversidade, pois, isso sim, é impraticável. No Ministério do Meio Ambiente, investimos muito em ferramentas de vigilância e avaliação. Hoje, o monitoramento na Amazônia está tecnologicamente mais adequado. Nos outros biomas, porém, estamos numa fase preliminar. Apenas esses avanços nos darão ideia do quanto estamos perdendo em biodiversidade. Com eles, saberemos as tendências e conheceremos as motivações do desmatamento - se ele ocorre devido à expansão da cana-de-açúcar, ao aumento das cidades em áreas ainda verdes e assim por diante. Também temos conseguido avançar um pouco mais na conscientização do brasileiro em defesa da biodiversidade.

Qual a impressão geral do brasileiro sobre o tema?

Na área ambiental, temos falhas do ponto de vista da informação. Mesmo entre nossos intelectuais impera a visão de que a biodiversidade é apenas um recurso natural à disposição. Se tivéssemos uma leitura mais precisa do que ela tem a nos oferecer em termos de serviços e produtos, as pessoas se dariam conta do quanto fazemos parte e dependemos disso. Quando atingirmos esse ponto, teremos uma sociedade mais consciente da importância de parques e áreas protegidas.

Criar áreas de proteção ainda é uma solução?

Conseguimos avançar nesse ponto e evitar vários conflitos. Exemplo disso é que não foram mais criadas áreas onde antes havia terras indígenas. Por outro lado, diversos governadores têm dificuldade com esse sistema, pois ainda não conseguimos demonstrar claramente o valor econômico que as unidades de conservação agregam à região na qual se encontram. As lideranças políticas precisam aprender a enxergar essas áreas como oportunidades de desenvolvimento. Por outro lado, há um hiato histórico de consolidação dessas reservas. Hoje, temos 310 unidades federais no país, só que não existe pessoal para cuidar de todas nem estrutura. Assim, fica difícil argumentar sobre a importância da conservação.

Essa resistência à conservação é encontrada também no meio empresarial?

É diferente. Em uma convenção como a COP, não há metas para os empresários. Acredito que seja mais interessante ter um conjunto de empresas convergentes para uma única proposta. Por meio da cadeia produtiva podemos ter uma visão mais clara do que é melhor para a biodiversidade. Ao conseguir que essas empresas se engajem no processo, um outro nível de exigência irá surgir e será possível quantificar a totalidade de biodiversidade que está sendo perdida. Uma ideia é desenvolver uma ferramenta de política pública para que essas empresas tenham algum diferencial de preço no mercado. Um exemplo é o índice Bovespa de sustentabilidade, que poderia passar a incorporar a biodiversidade.

Iniciativas como essa podem fazer com que o setor privado se sobressaia nas políticas de conservação?

Quem poderá trazer essa modificação da iniciativa privada é a sociedade civil, ao chamar atenção para as questões ambientais. No pensamento predominante atual, quem está ganhando dinheiro não tem por que mudar seu modo de fazer as coisas, a não ser que sinta pressão do mercado por uma nova cultura. Outra questão muito debatida hoje no mundo é a sobrepesca.

Qual é a situação no Brasil?

Extremamente perigosa. O Ministério da Pesca, criado há pouco tempo, responde a uma lógica equivocada: a de que o Brasil pesca pouco, pois temos um litoral enorme e uma produção pesqueira pequena. Essa impressão é acentuada pela comparação com os países que dispoem de um litoral pouco extenso e pescam grandes volumes. Só que é preciso levar em conta que a nossa costa não é tão produtiva quanto, por exemplo, a do Peru. Cerca de 80% da capacidade de espécies em nosso litoral já está superexplorada. Além disso, as aquiculturas praticadas aqui, como a do camarão, destroem o berçário de vários peixes e inserem espécies exóticas, que passam a competir com as nativas. Tudo isso gera danos.

Quais as implicações das alterações no Código Florestal propostas pelo deputado Aldo Rebelo?

São várias. A primeira delas é a diminuição da mata ciliar, que é a faixa de proteção natural dos rios, algo que considero muito arriscado. Quando isso acontece, há perda na qualidade e no volume das águas dos rios, já que, quanto menor a vegetação ao redor, maior é a chance de assoreamento do leito. Quando o corpo d’água encher, em vez de manter seu leito original, vai transbordar e aumentar a área de abrangência para as laterais. No caso da Amazônia Legal, a legislação atual prevê que, ao fazer o Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE; ferramenta do governo que controla o uso da terra em cada região), a área de reserva legal seja de, no mínimo, 80% em cada propriedade. Na proposta do deputado, essa porcentagem cai para 50%. Se isso for concretizado, teremos uma margem de desmatamento que não gostaríamos de ver. Em outra parte, o texto desobriga qualquer proprietário de ter uma reserva legal, mas o deputado garante que foi um erro de digitação. De qualquer forma, o Brasil, campeão de biodiversidade, tem nas mãos uma oportunidade de ouro: ser um país que trará diferenças para o desenvolvimento mundial, desde que isso seja feito com base inovadora, de forma sustentável e preocupada com a questão ambiental.
Publicado em 11/2010
http://viajeaqui.abril.com.br/national-geographic/edicao-128/ano-internacional-da-bio-diversidade-605055.shtml

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