domingo, 9 de fevereiro de 2014

Mudanças climáticas e a água de São Paulo

08 de fevereiro de 2014
Fernando Reinach é Biólogo - O Estado de S.Paulo
Olhe para o céu e para o termômetro. Se o primeiro estiver azul e o segundo alto, faça como nossas autoridades, reze. Mas, se você prefere lidar com a realidade, que tal entender o funcionamento do Sistema Cantareira? O Sistema Cantareira fornece 45% de toda a água da Região Metropolitana de São Paulo. Vinte milhões de pessoas, 10% da população brasileira, dependem dele.
O Sistema Cantareira está à beira do colapso. Ele nunca esteve com tão pouca água. E continua esvaziando quando já deveria estar enchendo desde dezembro. O maior dos reservatórios (Jacareí/Jaguari) está com menos de 17% de sua capacidade, e a água se encontra na cota 826 metros. Essa represa possui seis tomadas de água que levam o precioso líquido para São Paulo. As quatro mais altas, nas cotas 836 e 827, já estão no seco, fora da água. As duas mais baixas, na cota 818, ainda estão captando água. Mas, se a represa chegar à cota 818, é o fim, nem uma gota de água poderá ser captada.
O governo continua otimista e acredita que São Pedro esqueceu de ligar o despertador. Se isso for verdade será a primeira vez nos últimos 40 anos. Mas, se não chover muito nos próximos 30 dias, São Paulo e outra dezena de municípios vão ter de sobreviver a partir de abril sem os 36.000.000 de litros de água por segundo (36 m³/seg) que este conjunto de represas e túneis pode trazer até São Paulo.
O que poucos sabem é que em agosto de 2014 a outorga do Sistema Cantareira terá de ser renovada. Nesse processo o governo vai decidir quanto de água pode ser retirada do sistema a cada dia, quem vai ter o direito a essa água, e com que prioridade. A má notícia é que aparentemente o Sistema Cantareira não tem mais capacidade de fornecer os atuais 36 m³/seg. Se a decisão for baseada em critérios técnicos, a vazão total deveria ser reduzida. É o que está escrito nas entrelinhas do documento preparado pelos técnicos para embasar a renovação da outorga
Em 1976, com base nos dados coletados desde 1930, os técnicos decidiram outorgar à Sabesp o direito de retirar 33 m³/seg do Sistema Cantareira até 2004. Em 2004, a renovação ocorreu durante uma grande seca, quando o sistema chegou pela primeira vez a 20% de sua capacidade máxima e houve racionamento de água. Foi decidido na época que seria possível aumentar em 10% a quantidade máxima de água que poderia ser retirada do sistema, que passou a ser 36 m³/seg. Essa renovação foi feita por um prazo de 10 anos e vence agora (veja na página 69 do documento).
Nas série histórica em que foi baseada a renovação da outorga em 2004 (dados coletados entre 1930 e 2003) a capacidade dos rios que compõem o Sistema Cantareira foi estimada em 44,8 m³/seg. Já as medidas feitas nos últimos anos (2004 a 2012) mostram que esta capacidade se reduziu para 39,7 m³/seg, uma redução de 13%. Se você quiser ser generoso pode comparar os dados de 1930 a 2003 com os dados de 1930 e 2012 e, neste caso, a redução é menor, aproximadamente 10% .
Esses dados bastariam para justificar uma redução no volume da próxima outorga, mas, além disso, o relatório demonstra que nos últimos anos a variabilidade da quantidade de chuva aumentou significativamente (em alguns anos chove muito e em outros chove pouco). Essa variabilidade é uma das consequências previstas nos modelos de mudança climática. No futuro, teremos mais anos com pouca chuva e mais anos com um grande excesso de chuvas. Para garantir o suprimento de água nos anos secos, os reservatórios deveriam ser administrados com uma folga maior. Menos água pode ser retirada, e os níveis médios devem ser mantidos mais altos.
Esses são os fatos. Resta saber como o governo vai se comportar. Vai aceitar a realidade e renovar a outorga com um volume menor (o que força a Sabesp a investir ainda mais em novas fontes de água) ou vamos continuar acreditando em São Pedro e torcer para que a seca final só ocorra em um governo futuro (que, claro, será o culpado).
A Sabesp já emitiu sua opinião. Em uma carta que pode ser encontrada no site da ANA, sua presidente solicitou a renovação da outorga. Pediu que, desta vez, a outorga seja concedida por 30 anos e não mencionou uma possível redução de volume.
http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,mudancas-climaticas-e-a-agua-de-sao-paulo,1128088,0.htm

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