sábado, 9 de novembro de 2013

CHINA

Reformas não devem acontecer de uma hora para outra

09/11/2013
RAUL JUSTE LORES

DE WASHINGTON
  

Pouco depois de aparecer na lista da revista "Forbes" como o segundo homem mais rico da China, o empresário Huang Guangyu, então com 39 anos, foi preso, em novembro de 2008.
Antes disso, encarnava o milagre chinês: da lojinha de eletrônicos que abriu em Pequim em 1987 à criação da rede Gome, com 700 lojas de eletrônicos e eletrodomésticos, e uma fortuna avaliada em US$ 2,7 bilhões.
Os motivos de sua prisão não foram anunciados. Apenas 15 meses depois, em fevereiro de 2010, ele foi formalmente acusado de pagar propinas e de usar informação privilegiada.
Foi condenado a 14 anos de prisão e a pagar multas milionárias.
O humor chinês já apelidou listas como as da "Forbes" de sha zhu bang, ou "lista de porcos para o abate".
Em outra metáfora rural, cara aos chineses, algumas dessas prisões "matam os frangos para dar medo aos macacos". Quiseram assustar bichos maiores? Foi inveja? Ou apenas resultado das brigas políticas e econômicas das diferentes facções do Partido Comunista?
A insegurança jurídica é talvez a reforma urgente na China que ainda vai demorar para acontecer, em um país onde o sistema jurídico é apenas um braço do partido.
O empreendedor chinês vive o constante temor de que algum dia, inesperadamente, seu negócio ou ideia seja punido por alguém poderoso, sem que lhe seja oferecida a possibilidade de defesa.
Uma pesquisa do jornal chinês "Informação Econômica" ("Jingji Cankao") mostra que 46% dos empresários chineses ouvidos atribuem a vontade que sentem de sair do país ao que chamam de "alta ansiedade" em relação ao sentido de segurança.
ABERTURA
Nenhuma reforma na China será tão radical, em tempos de muitos testes antes de qualquer decisão.
A origem do capitalismo moderno no país deu-se de forma nada planejada e sem uma decisão tomada em Pequim -longe dos desígnios do pai da abertura do país, Deng Xiaoping.
Em 1979, quando ele empreendeu sua reforma, 90% da população chinesa morava no campo, trabalhando em cooperativas rurais. Só podia "vender" sua produção ao governo. Propriedade privada era proibida.
Mas os habitantes da cidade de Wenzhou, na província de Zhejiang, começaram a furar o comunismo -ilegalmente começaram a vender verduras e legumes da área rural na então diminuta área urbana, a criar empresas de fundo de quintal, a "lucrar" com seu trabalho.

Petar Kujundzic - 17.out.2013/Reuters
              Casal de idosos em triciclo nas ruas de Pequim; maior parte da população da China não tem aposentadoria

Casal de idosos em triciclo nas ruas de Pequim; maior parte da população da China não tem aposentadoria

O Partido Comunista local lucrava com o negócio também -e, nacionalmente, a liderança do partido estava ocupada demais com um país traumatizado pelos excessos da Revolução Cultural (1966-1976).
Nos anos 1980 e no início dos anos 1990, a cidade virou de "capital dos calçados" a "capital dos eletrônicos" -a pequena economia local descobriu as vantagens do empreendedorismo e da geografia, e quem começou a produzir tênis em fabriquetas de fundo de quintal em poucos anos estava produzindo para as grandes marcas globais.
Depois do fracasso de diversas campanhas radicais empreendidas por Mao Tsé-tung, que queria industrializar o país em três anos ou expurgar toda a "cultura feudal" em outros cinco, o Partido Comunista aprendeu a fazer reformas bastante graduais nas últimas décadas.
Assim como a flexibilização da política do filho único (que começou recentemente em Xangai) ou a cobrança de licenças para dirigir um automóvel, que custam mais que o carro (também na maior cidade chinesa), não se espera que o Partido Comunista faça de uma hora para outra monumentais ajustes de percurso.
Para virar o ABC do planeta e fabricar de brinquedos e calçados a automóveis e computadores, a China investiu pesado em sua infraestrutura: quase do zero, criou uma rede de portos, aeroportos, ferrovias, trens de alta velocidade e capacidade energética invisíveis nos anos 1980.
Em um país de poupadores, isso foi possível. Tanto investimento em infraestrutura também enriquecia governos locais, promovia crescimento e criava os milhões de empregos que a China precisa criar por ano para equilibrar o êxodo rural.
DESPERDÍCIO
Mas essa política também levou a obras faraônicas, desperdício e muita corrupção.
Ao contrário dos anos 1980, quando eram quase todos miseráveis e estavam no mesmo barco, hoje há muita gente poderosa no Partido Comunista com interesse zero em mudanças que certamente cortarão as fontes de sua riqueza.
Na última década algumas grandes reformas foram feitas, como o fim da cobrança de anuidade nas escolas públicas de ensino básico, aumento de investimentos na saúde no interior.
Mas ainda vai levar um bom tempo até que os chineses não se preocupem com o futuro (a maior parte da população não tem aposentadoria) e passem a gastar mais.
E promover o aumento do consumo doméstico, que cresce 14% ao ano, mas muito menos do que deveria (o consumo doméstico representa 35% do PIB; metade do que no Brasil ou nos Estados Unidos, onde se aproxima de 70%).
Ou fazer com que estatais riquíssimas aumentem o salário de seus funcionários ou com que prefeituras não despejem milhões para vender terrenos ao mercado imobiliário, sem falar de uma futura Previdência -porque os chineses só querem, mesmo, mais segurança.

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