sexta-feira, 6 de abril de 2012

A primeira mulher saudita na Olimpíada

04/04/12
POR MARCELO NINIO

Jogadoras do time de basquete saudita Jedah United durante treino na Jordânia (Foto: Reuters)

Pela primeira vez na história, todas as delegações nacionais deverão ter pelo menos uma mulher na disputa dos Jogos Olímpicos de Londres. Arábia Saudita, Brunei e Qatar, países muçulmanos e únicos que até hoje só mandaram homens para as Olimpíadas, sinalizaram positivamente ao pedido do Comitê Olímpico Internacional (COI).

Brunei e Qatar já permitem a participação de mulheres em torneios regionais, mas a ultraconservadora monarquia saudita proíbe até a educação física para meninas nas escolas públicas. Por isso, mas principalmente pela importância econômica e política do país, o gesto saudita, caso se concretize, é o mais significativo.

Praticante de uma das formas mais rígidas do islã, o wahabismo, a Arábia Saudita veta o contato livre entre os sexos. As mulheres, mesmo as estrangeiras, devem estar sempre cobertas em público com a abaya, espécie de roupão preto que vai da cabeça aos pés. Mulheres são proibidas de dirigir e não podem circular em público desacompanhadas do marido ou um homem da família.

O sinal verde dado pela monarquia ao COI é um gesto significativo, mas ainda longe de representar uma mudança para as esportistas do país. A discriminação impede que elas atinjam níveis competitivos, o que torna sua possível participação em torneios internacionais pouco mais que figurativa.

Em um relatório recente da organização Human Rights Watch, são listadas algumas das restrições impostas pelas autoridades sauditas às mulheres no esporte:

- Aulas de educação física nas escolas públicas são limitadas aos meninos
- Em 2009 e 2010, o governo fecharam academias de ginástica para mulheres e negaram pedidos de licença
- Nem o Comitê Olímpico Saudita nem os 153 clubes esportivos registrados no país tem sessões femininas
- A ausência de infraestruturas esportivas para mulheres impede, na prática, que elas se envolvam em práticas esportivas.

Apesar de tudo isso, o país sofre muito menos pressão do que outros, como o Irã, onde a igualdade entre homens e mulheres, embora longe do ideal, é bem maior que na segregação imposta pelos sauditas. A começar pelo direito ao voto, que as iranianas tem desde 1963, e as sauditas até hoje não.

Dois pesos e duas medidas, guiados pelos conhecidos interesses políticos e econômicos. A Arábia Saudita é o maior exportador mundial de petróleo e cada vez mais ocupa o lugar do caótico Egito, atualmente mergulhado no caos pós-Mubarak, como o país mais influente do mundo árabe. Além do petróleo, a velha rivalidade da monarquia sunita com o Irã xiita aproxima os sauditas de EUA e das potências européias.

Outras distorções chamam atenção. Embora não dê brecha à oposição doméstica e tenha mandado tropas para reprimir a revolta da maioria xiita no Bahrein, a Arábia Saudita lidera a pressão contra o regime sírio, onde defende a livre expressão que não permite em casa.

Um diplomata baseado em Riad com quem conversei recentemente relativizou o impacto da insatisfação e também da desigualdade entre os sexos. Disse que a maioria das mulheres sauditas apoia o rigor islâmico e se sente protegida pela segregação. E que o movimento que, há poucos meses, desafiou a proibição às mulheres de dirigir, representa uma pequena minoria.

Pode ser. Mas fiquei pensando como se sentirá a presidente Dilma num país em que as mulheres podem ser punidas com chicotadas por dirigir. A menos que alguma coisa mude, Dilma tem data marcada para ir ao país: 2014, na Cúpula América do Sul-Países Árabes, prevista para acontecer na capital saudita.

http://marceloninio.blogfolha.uol.com.br/2012/04/04/a-primeira-mulher-saudita-na-olimpiada/

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